Fui à Torreira.
Nunca me parece
que seja ir à praia, porque este mar tem outro som e outro cheiro. Forte, muito
forte, o mar bate na areia e ninguém sabe
o que ele diz. Era assim que cantava quando era menina, as mulheres que me
acompanhavam não usavam fato de banho e nós íamos molhar os pés, o único banho então
permitido. E tinham que levantar as saias, nos dias em que o mar estava zangado
e furioso, mandava ondas malucas que chegavam aos joelhos e às penas. Lembro-me
dos risos e das corridas para trás, para salvar o resto do corpo que não via
sol, a não ser através de blusas de flores ou de riscas feitas na costureira.
Nesse tempo e neste lugar não se ia ao pronto-a-vestir, sabia lá a ti Palmira e
a minha tia Domingas que na cidade, em algumas lojas, se vendiam vestidos e
calções e soutiens. Não, as mulheres vestiam corpetes, feitos à medida, ainda
tive um em menina e moça, feito pela minha tia, que julgo nunca usei, porque
nesse tempo já vivia na cidade e queria ser como todas as minhas amigas.
Fui à Torreia e molhei os pés.
Não, não puxei a roupa para cima, estava de fato de banho, mas parece-me que
resguardei o corpo das ondas, quero pensar que foi pela temperatura da água, as
memórias não se podem prolongar tanto que atraiçoem as experiências vividas.
Cresci na cidade, na margem sul do Tejo e já me banhei em tantas águas e com
tantos biquínis e fatos de banho, que me parece pouco provável fugir do mar, a
repetir a graça de então.
Mas não tenho a certeza. Com a
idade, vamos misturando e relacionando tudo o que nos aconteceu, o que é uma
forma de sabedoria, julgo, de integração da pessoa que fomos e da que hoje mora
em nós. Uma espécie de composição identitária, a confirmar a nossa riqueza,
diversidade e pluralidade de ser gente. Com uma história e um passado.
É
possível que esta necessidade nos afete com maior intensidade em alguns dias e
que dessa forma, resguardemos o corpo do mar e fujamos às arrecuas, para proteger a roupa que não temos em nós. Apenas na
memória e no álbum de fotografias a preto e branco guardado na sala.
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