sábado, 31 de maio de 2014

Dia da criança: beijos e abraços para ti

Hoje é sábado, a noite aproxima-se lentamente, mas ainda há claridade e sol e uma brisa suave a refrescar o fim de tarde. Diremos todos que este foi um dia bom, queria que também assim o sentisses, menina de pele branca e olhar demorado. Quero imaginar-te algures num sitio da tua casa, quem sabe à porta da rua, a sentir o sol na cara, depois a correr sobre as pedras do caminho, com a alegria de um pássaro que já pode voar sozinho e por isso dispensa ajuda. Ou talvez estejas dentro de casa, a brincar com um jogo ou a tentar escrever o teu nome, para que não te esqueças de como se faz a graça que te deram. Num ou noutro lugar, espero que assim seja.

Amanhã vai ser dia da criança e desejo-te um bom domingo. Com coisas boas, doçura que baste, gostas de bolo de chocolate, bolachas e rebuçados. És gulosa, de doces e amor, prendes-te aos nossos afetos e ficas a ver quanto tempo conseguimos manter-te junto ao nosso coração. Se o tempo é curto, ou se outra coisa  nos chama para longe de ti, protestas sem piedade, fazendo valer o teu choro, com uma sonoridade alta e pouco agradável.  És insistente e não te dás por vencida, pedes o bocado a que julgas ter direito. O teu corpo, o teu coração, a tua idade e a tua história, exigem que saibamos amar-te sem interrupções. 

Espero que o teu dia amanhã decorra sem mácula e sem pecado. Espero que seja um dia limpo, grande e lindo e que possa amanhecer com pão com manteiga e leite morno e terminar com uma festa na cabeça na hora de ir deitar.  Depois de um jantar na presença de todos. Que durante o dia te brindem com os beijos e abraços que precisas, para ficares mais feliz e menos preocupada. És demasiado pequena para enredares os teus dias com medos inquietos e lágrimas que nunca param.

Quero acreditar que vai ser um pouco assim. Se não for, peço desculpa pelos adultos que não foram crianças e não sabem alindar a vida com respeito e amor. Estão muito zangados com a criança que ainda chora dentro deles e não sabem o que fazer para se reconciliarem com ela. 

Mas disso tu não tens culpa. Espero que quando cresceres possas aprender a perdoar e a conviver com os dias em que não foste menina. Para que te tornes numa mulher de presente e futuro.
Eu sei que falta muito tempo e que entretanto vai ser dia da criança, mas hoje é apenas o que posso dizer e fazer.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Infância(s) menor(es)

Pequena, franzina, olhos bonitos e rosto um pouco triste, com sorrisos rasgados em alguns momentos, ali estava a menina, indefesa, a estender as mãos e a procurar colo. Em silêncio. Não foi possivel conter a surpresa e a estupefação perante tanta enormidade.
E impediram-se as lágrimas de correr, este estranho liquido incolor que nos varre a cara quando o coração se encolhe e a alma gela. Rodeámo-nos de silêncio e apelámos à compreensão da vida. Tenta entender aqueles que não se comovem ou lançam dor ao seu redor, envolvendo crianças nesse mistério de protestar contra o destino. Tentar não ir na corrente das vozes imaturas ou demasiado comuns, como se na vida que vivemos, nas relações que estabelecemos, dois mais dois fossem igual a quatro. Não são.

Apesar disso, o pensamento corria veloz e zangado com aquilo que víamos. Apetecia ter a matemática como solução e certeza, para saber o que fazer com o que víamos e ouvíamos. Uma conta fácil com resultado certo.  Mas as contas são outras. São de rosário. Uma menina pequena com uma mochila, um corpo e uma história tão pesada que não parece haver resiliência que ajude. 

Na semana onde se comemora o dia internacional da criança, como pessoa de pleno(s) direito(s), onde vamos buscar a sapiência e a coragem para enfrentar tamanha surpresa e desconforto?

Onde nos vamos sentar para aliviar o cansaço desta realidade tão crua? Não podemos ler livros, nem escondermo-nos atrás dos poemas, nem sonhar com histórias de princesas encantadas.
Há demasiado frio ao nosso redor, apesar deste tempo ser de primavera. Será?  

domingo, 25 de maio de 2014

Votar, em dia de eleições

Hoje o dia amanheceu como sempre, tomei o café na rua, como sempre, comprei o jornal, como sempre e depois fui cumprir um propósito que não acontece com regularidade em todos os domingos que passam. 

Na escola onde votei estavam muito poucas pessoas, sobressaltei-me, apesar de saber que nestas eleições, a abstenção será elevada. Fiquei meia desalentada a olhar para as mesas de voto sem filas, um ambiente meio cinzento como o dia. Depois de cumprido o meu direito e dever, sosseguei-me a pensar que talvez a hora tivesse influência no enorme silêncio dos corredores. Lá mais para a tarde, quem sabe, os homens e as mulheres da minha terra, saiam de casa e decididos façam valer a sua voz e o seu voto. Assim espero.


Eleições STU: confira as datas e os locais de votação e as chapas concorrentesVim para a casa a pensar na enorme alegria dos primeiros anos de eleições, quando em peso e quase em romaria, nos deslocávamos às mesas de voto, para dizer sim, não, basta. Escolhíamos os nossos representantes e sentíamos, mais afincadamente, que os resultados seriam entendidos como ordens, na linha da canção o povo é quem mais ordena. Sentíamo-nos protagonistas da decisão para o futuro, gente de carne e osso a construir a democracia, num processo de participação e liberdade. Como nos fora roubado e impedido este gesto durante tantos anos, votar era um ato novo, de cidadania, com implicações na cidade e na vida de todos.

Já não é? Acredito que ainda é, não abdico dele por nada, mas está mais fraco, alterado e decididamente menos valioso. Porque se banalizou? sim, se pensarmos que a politica se banalizou e hoje, estamos cansados de quase todos prometerem tudo e quase todos não fazerem nada. Começámos a não acreditar nas palavras que nos oferecem em tempo de campanha, e como vemos ouvimos e lemos, sabemos o que muitos politicos fazem do poder que lhes damos. Falta ética, solidariedade, transparência, cultura democrática, respeito e dignidade. 

Desistimos? não podemos. Desistir jamais e porque vemos ouvimos e lemos não podemos ignorar. Que temos que continuar a exercer o nosso direito e dever, como um ato de resistência e de democracia. Temos que nos fazer ouvir. Sabendo que este é apenas um gesto e um tipo de participação, que nem sempre produz as necessárias mudanças que desejamos. 

Depois de votar, teremos que continuar a ser cidadãos de corpo inteiro e a fazer a democracia nos espaços onde vivemos e somos. Sem medos, com ousadia, sentido de participação, liberdade, ideia de presente e futuro. 
Temos que fazer ouvir a nossa voz.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Ao nascer é a mãe...e depois também...

Sei que neste dia,  há 57 anos, ainda não me esperavas. Pelas tuas contas seria lá para junho, mas escolhi o mês de maio para nascer, quem sabe se pelo cheiro das flores e a temperatura amena que experimentava através do teu corpo de jovem mulher. Tinhas apenas 25 anos e um filho já de cinco, quase a fazer seis. Sem grandes preparativos, um tanto quanto à queima roupa, dizem, no dia 22, fiz-me notar com mais assertividade e disse-te, sem margem para dúvidas, que queria vir ver o mundo e ficar por cá. Não era cedo nem tarde, era o momento. E assim foi.

Nasci de ti há 57 anos, no quarto da nossa casa que era a casa da avó Carmina, que me acolheu nos seus braços, depois de algum esforço de um parto natural. Sem as teconologias de hoje, fui uma surpresa boa, porque nasci menina, depois do menino que já tinhas em casa.Conta-se que andava pela eira, um pouco impaciente à minha espera, com o avô por perto a serenar-lhe a emoção de sentir  um bebé a entrar na sua vida. E entrei. 

Passaram já 57 anos desde esse dia. Surpreendo-me sempre com a passagem do tempo e a imensa lonjura que vamos construindo no desenrolar da vida. Sem quase dar por isso, passamos estações atrás de estações, anos trás de anos, dias e meses sem fim, e eis que olhando ao espelho, a juventude já foi e a velhice aproxima-se a passos largos. Ainda temos, queremos acreditar, muitas primaveras e outonos para comemorar, mas as noites para rezar o terço já não existem, e a costureira já não  faz os bibes com folhos nem as combinações com renda.  As panelinhas de alumínio com que brincávamos em meninas já estão há muito esquecidas e perdemos o jeito de fazer comidas com a terra molhada pela água do poço do aido. Já não me cortas o cabelo à escovinha, com marrafa, eu a protestar, tu convicta deste gesto de bem cuidar.

Foi-se a infância e a juventude e a condição de sermos meninas da nossa mãe. Estamos mulheres adultas, quase na terceira idade, com filhos feitos. 
Não é um drama, não fora o tempo que já parece curto para dar corpo aos sonhos que temos e nos perseguem a cada dia que passa. Não é um drama, não fora a tua ausência e a saudade de te ter por perto, para me sentir mais jovem e mais acompanhada.
Comemorar o dia em que nascemos é sempre recordar quem nos deu a vida. Por isso hoje, vou comprar umas flores e pôr uma jarra junto à tua fotografia. E relembrar que gostavas muito de me ajudar a preparar a noite para alguns amigos que vão chegar.
E isso, apesar da alegria dos que me visitam, é uma pequena tristeza dentro do coração.

domingo, 18 de maio de 2014

Almoço de amigos

Ontem estive com uma menina linda e uma mãe doce. A mãe sempre a senti assim, corpo discreto, olhos amendoados, suavidade de gestos e palavras. Desloca-se de mansinho por entre os que com ela estão e sorri e fala e permanece. Já não a via há algum tempo e desta vez parece que lhe descobri uma pontinha, muito pequena, de tristeza ao fundo dos olhos. Talvez fosse impressão minha, coisas sem importância, talvez, nada que a impedisse de conversar e estar disponivel e perguntar por outros que ali não estavam. Pelo meu filho mais velho, por exemplo. E descobri que tem por ele uma ternura bonita, cuidado e atenção. Conversámos sobre ser mãe e outras tantas coisas da vida das mulheres. Foi bom, para se entender a vida em mil faces e mil traduções. E para nos sossegarmos do sentimento e da ideia que apenas acontece comigo...

A menina linda, está mesmo assim. Não a via desde bebé e de repente encontro-a com 3 anos, olhos redondos castanhos e grandes, corpo pleno, cheia de si e de infância. Uma infância traduzida na forma como brincou com pedrinhas, isto são mirtilhos, uma sobremesa, não é para hoje, só pode ser para amanha, as canções que cantou corrigindo-me os gestos o mar só pode ser feito com uma mão, assim...o teatro do capuchinho vermelho, ela o lobo eu o capuchinho, a ponderação para ouvir uma pergunta de um amigo nosso, ainda que preocupada com o seu papel de cozinheira, que tinha escolhido...eu não devia estar aqui, devia estar a fazer a comida para a minha filha...e indireitava-se na cadeira para ouvir a pergunta. E respondeu. E saltou e riu e chorou pelos morangos com chantiliy, para rapidamente se deliciar com os morangos apenas com um bocadinho de açúcar. Comia-os lentamente e com cuidado, protegendo a roupa e limpando a boca, enquanto ouvíamos uma caixinha de música a tocar. 

E eu fiquei a pensar nesta infância tão radiosa, tão forte e tão apoiada. Nesta mãe que ama, pensa, se preocupa e se maravilha com a sua menina. E nesta menina feliz, que fala, pensa, ama e se maravilha com a sua mãe, o pai, os amigos, as brincadeiras, os risos e a praia. Depois vamos à praia, mãe? acho que foram.

Eu vim para casa, contente e não pude deixar de pensar nas diferentes maneiras de ser-se mãe e filha. Nas diferentes formas de viver a infância, que não pode ser conjugada no singular, antes obrigatoriamente no plural.
E lembrei-me das infâncias dos meninos e meninas da minha sala. 

Não fui à praia, mas ganhei uma tarde de sábado boa. Com amigos e partilha(s). A amizade é isto. Ainda bem que há gente capaz de provocar encontros, à volta de um almoço e de afetos.
Apenas faltou canções cantadas pela mãe. Já a ouvi cantar e a sua voz é bela.
Fica para a próxima.


sábado, 17 de maio de 2014

A côr dos dias

Nem sempre os sábados começam de feição. 
Sem que saibamos como, os mal entendidos da sexta prolongam-se pela noite e madrugada e de manhãzinha apresentam-se ainda inteiros, sem ponta de discrição, indiferentes ao nascer do sol e à liberdade do relógio em dia de fim de semana. Esfregamos os olhos e a paisagem, limpamos os restos de incómodo que se deslocam pela alma e tentamos ir deitar o lixo fora, porque nos queremos limpas e desanuviadas dos tremores da tristeza. 

Nestes sábados, tentamos olhar o azul do céu e acreditar no novo dia.  E fazer coisas, porque as coisas não se fazem por si só. Compramos o jornal, bebemos o café e inspiramos o ar que circula, leve e fresco. E deixamos o sol bater na cara. E recusamos ficar indolentes e atravessadas por ideias e sentimentos requentados. Já passou não foi? façamos então uma nova receita para servir à mesa do nosso viver.

E lembremo-nos do poeta

"Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer"
(Geraldo Vandré)

Assim estou, a construir o tempo para um novo tempo que há-de vir.
Ainda que não exatamente como o cavalo Nuvem, personagem de uma história inventada por um menino lá da sala, que terminou de a contar dizendo:
Depois de comer a maçaroca de milho o cavalo Nuvem foi-se embora fantasticamente feliz.

Não estamos assim, mas há que tentar.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Nada direi

De novo o teu aniversário.
Vamos receber os amigos e de novo apagar as velas e fazer comentários ao bolo de aniversário que sempre nos tem acompanhado, desde que somos familia e comemoramos os nossos anos. És tu que o fazes e todos gostam. Talvez ponhamos uma música, para dar um pé de dança, como é costume nestas noites de juntar amigos. Depois falaremos de muita coisa, a crise talvez, o futebol, as eleiçoes, a abstenção, aulas e reformas e outras conversas que se vão entrelaçar entre gente que se quer bem e que se conhece há muito. 

E eu andarei por aqui, como ando há tanto tempo e olhar-te-ei quando rires e abrires um bom vinho e  abraçares quem chegar. Andarei por aqui, entre risos e abraços, com pensamentos que são apenas meus e que num correr se estendem desde o dia em que te conheci, jovem e bonito, contido e simpático, até hoje, homem feito, com uns cabelos brancos e algumas rugas nos olhos. Ainda e sempre um ar jovial, nos dias em que não te entristeces com a vida.
Andarei por aqui, no centro da casa ou num canto, junto de uma amiga e não direi a ninguém o nosso caminho, aquele percorrido por dentro de nós, quando me acolheste em maré de águas bravas, levantando-me da tempestade, para me apontares o horizonte e a bonança a aproximar-se de mansinho. Não direi das mil palavras que já trocámos entre nós e que foram fazendo lustre e cama e esteira para a nossa vida, que é longa e cheia de sonhos e projetos e resultados e insucessos. Não direi da complexidade e da surpresa de nos termos escolhido um ao outro para ficarmos juntos, quando o tempo era de fuga e de indecisão constante.

Não direi como trocámos o acaso e a circunstânca pela permanência e a aposta, combatendo o ruído e a desafinação dos acordes da música que iniciámos, mesmo sem marcha nupcial. Não direi como o amor resistiu, se fortaleceu e encontrou terreno fértil para crescer. Não direi do adubo utilizado, nem da poesia das noites do Alentejo, nem dos canais de Veneza, nem das meninas à escola dos Açores, nem dos dias calmos da Murtosa. Não direi como adormecias os filhos, os bêbas, inventavas canções para eles, te impacientavas quando não os compreendias e me perguntavas Diz lá, em que fase estão agora? Não direi do teu amor pela minha mãe, da forma como mudavas a fralda ao teu pai, da nossa cumplicidade em os tratar bem e acolher na nossa casa até ao fim dos seus dias. Não direi como fomos fortalecendo as nossas raízes, os nossos valores e a fidelidade aos nossos principios. Em comunhão.

Nada direi. Falarei de tudo um pouco, entre uma fatia de bolo, o cantar dos parabéns, o riso de quem nos visita, a alegria de quem gosta de ti e te respeita. Nada direi, porque não é possivel dizer, não há palavras capazes de traduzirem a construção de uma vida em conjunto. Não só pela intimidade, mas sobretudo pela lonjura e complexidade.
Reservo para mim e para nós os segredos de seres meu companheiro de verdade. Reservo para mim e para nós os beijos, os abraços, as penas e os cansaços.
Para mim e apenas para mim reservo a alegria de ter sabido manter-me e manter-te junto de nós, sem desistir. Só tu saberias entender-me durante toda a vida. Nós sabemos. Parabéns, meu amor.

domingo, 11 de maio de 2014

Rotina boa

Domingo com fim à vista, aproxima-se a passos largos o fim de tarde, está radioso e cheio de sol. 
Por aqui estou, entregue às minhas planificações semanais, a tentar que sejam largas e muito flexives, para nelas caberem as ideias e a vontade dos meninos e meninas e da restante equipa. Acredito neste processo coletivo de juntar tudo para que corresponda ao grupo que na sala vive...não podia ser de outra forma, aquelas mais fáceis mas menos participativas. E a participação é coisa que exige negociação, consensos, discussão, num clima de audição permanente dos outros. Tudo menos fácil e imediato. Mas o unico caminho a fazer em educação. E na vida. Familiar, social e politica.

Dúvidas de comportamento sobre os gatosO domingo foi sereno, com amigos por casa e um bom almoço. Daqui a pouco vou dar banho aos meus gatos, que andam a perder pêlo pela casa. Mais um trabalho a que me obrigam e do qual não gosto muito. Mas  gosto dos meus gatos, um cinzento e outro branco, que me olham com olhos de entendimento e que me seguem pela casa. Os meus filhos dizem que estes gatos são como os cães, principalmente o meu, o Gattuzo, que discretamente se senta ao meu lado e espera por mim, sempre que estou a arranjar-me ou a pendurar roupa, ou a lavar loiça. Ou a escrever no computador, como agora.

Quando penso em mim e nos gatos, penso na imensa possibilidade de mudança que os seres humanos encerram em si. Nunca gostei de gatos ou de outros animais cá por casa, e agora tenho dois e tirando as zangas com os pêlos e outras traquinices que fazem, gosto muito deles. Não perco tempo a dar-lhes muita atenção, mas gosto de os ver dormir ao sol, no sofá e a procurarem-me pela casa, quando dão pela minha falta. 

Para além disso, ajudam a que os dias de domingo tenham o gosto de uma boa rotina. Aquela que precisamos para relaxar, depois de semana(s)s intensa(s).


sexta-feira, 9 de maio de 2014

Semana intensa

Sábado, mas de madrugada. Não tenho sono. Não é comum estar assim alerta, a estas horas, mas creio que é o cansaço da semana de trabalho que agora terminou. Não foi longa, porque foi rápida, mas foi intensa. Muito. Um corre corre sem parar, a vida toda a pedir coisas, ou eu assim a julgar. Mas se julgo, faço e quando faço, nem sempre resulta. Falo do trabalho na sala, com as crianças, esse espaço que abarca muito mais que isso. Porque a sala existe numa escola, e a escola numa comunidade e a comunidade numa freguesia e a freguesia numa cidade e...por aí fora. Vezes demais ficamos apenas na sala. E nas famílias, porque isso é indissociável, mesmo que pouco visivel ou transparente. Ou explicito, melhor dizendo. E é uma liberdade ou um sufoco. Assim, em antagonismo? assim, sem meio termo? Quase. Ou exagero? talvez, quem sabe, nunca fui mulher de meias tintas, portanto, educadora também não seria possivel ser.  Somos o que somos, ainda que sobre isso pensemos, tentanto tornar consciente, deixando vir à tona da água, os nossos sentimentos e verdades. Sem receio do que se possa sentir. E concluir. Sem fechar as contas, que estes balanços são diários e sabemos da importância da distância emocional justa, para melhor alcançar o balanço final certo. Certo? O mais certo e sério que formos capazes de fazer.

Tudo isto nesta madrugada a propósito de uma semana intensa. Hoje, disseram-me que eu era uma educadora muito exigente. A ideia vinha com um leve toque de critica, ainda que cheia de adjetivos de reconhecimento pelo trabalho que faço. Incomodei-me e surpreendi-me. O incómodo resultou de pensar que talvez não esteja a comunicar eficazmente com quem comigo partilha a intervenção com as crianças, a surpresa advém do meu sentimento de estar a fazer pouco para o grupo que me caiu nos braços e no colo, e que me agarram todos os dias pela bata, a pedir mimos e carinho. A pedir ajuda-me a controlar o corpo (creio que é o coração...), dás-me colo? posso ficar ao pé de ti? dás-me um abraço? E eu sinto os olhos, e as caras e os pensamentos dos outros a dizer que meninos estes, já deviam estar mais autónomos, mais atentos, mais calados, mais disciplinados... 

Se calhar já, vozes dentro de mim também assim o dizem, nos dias em que o quotidiano na sala, fica mais choroso, birrento, conflituoso. Ou nos dias em que disciplinadamente tento organizar uma outra dinâmica, mais crescida e menos infantil, mais de escolinha. Ou escola. Para não ser criticada, para corresponder ao que se espera de um professor. De uma educadora, porque de pequenino se torce o pepino Umas regras apertadas, começam no portão e estendem-se pelo recreio, e descem para o refeitório e introduzem-se nos combóios. E ficam espelhadas na cara dos adultos, que não se interrogam sobre o sentido de assim ser. O sentido do que se faz, nas inumeras horas em que nos confiam crianças. Fazemos o que fazemos, porquê? e para quê? E não nos podemos alhear ou esquecer de pensar sobre isto. Eu penso. E inquieto-me. E critico-me.

Talvez por isto os outros me chamem exigente.
Eu diria que sou apenas uma aprendiz, sempre assim me entendi, mas neste ano, com este grupo, isso tem uma força maior e um sentido pleno. E não há forma de ser de outra maneira.
Até porque acredito, como diz o poeta, que de pequenino se torce o destino. E a isso não posso, nem quero ser, indiferente.
Semana intensa...o melhor mesmo, é ir dormir...

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Resiliência...precisa-se!

Compreendemos o seu quotidiano e a exclusão. Sabemos que da vida roeram a parte mais dura e amarga e isso lhes deu olhos de lince, coração desconfiado e palavras rispidas, altas e apressadas, que atiram sem pedir licença, sempre que ficam acossadas com outros. Ou apenas surpreendidas, fazendo jus à ideia quando a esmola é muita o pobre desconfia. Não acreditam em milagres de amor ou amizade, o mundo, sabem-no, é demasiado dificil e pouco confortável, para quem, como elas, desde cedo se viram sozinhas e postas ao fundo das carteiras alinhadas da sala de aula. Depois cresceram e nada mudou, jovens ainda, viram-se com filhos em casas pequenas, responsáveis pelo seu cuidado e educação, que levam a peito. Debatem-se como ninguém pela sua integridade e felicidade, tal como a sentem e vivem. Não temem as zangas e o mau olhado, dele fazem a sua lança mais afiada para responder às agruras dos dias e das noites, relembrando a sua infância e meninice. Gritam alto e a bom som as suas ideias, como de leis certas e únicas se tratassem, olho por olho, dente por dente, é assim e mais nada, não admitem outros valores e teorias.

escolaSabemos, vemos, compreendemos. Mas há dias em que isso dói, cansa e destrói qualquer tipo de resiliência que como sabemos, deve estar presente no ser e fazer de uma educadora. Nesses dias ficamos muito cansadas e algo desistentes. Por pouco tempo, é certo, mas ficamos. E de novos nos lembramos da necessidade de politicas e práticas de intervenção, que sejam estruturadas a longo prazo, alimentadas por equipas multidisciplinares, coesas, com profissionais em numero suficiente e com sensibilidade para dar conta do recado.

E o recado não é fácil, não é ir ali ao fundo da rua e comprar uma qualquer receita mágica. Não. Exige muito trabalho, dedicação, sabedoria, lucidez, pés na terra e alma no céu. A educação em forma de projeto.
Sózinhos, não damos conta deste recado.  A reserva de resiliência tende a esgotar-se.
Hoje foi assim. 


domingo, 4 de maio de 2014

Dia da mãe

Está quase a acabar o dia da mãe. 
Eu sei que é uma convenção, mas também disso se faz a vida. De resto, os dias da mãe, como sabemos podem (e devem) ser todos. Mas como nos distraímos com facilidade, é bom que alguns rituais marquem os dias e os diferenciem. Assim, lembramo-nos com mais força. Ou emoção. Ou cuidado. Ou saudade. Ou tudo junto. 

Calas para ramos de noviaDe manhã, fui ver-te e lá estavas a sorrir na fotografia. Apanhei as flores mais bonitas do teu jardim, na nossa casa e fiz a jarra mais bela que pude. 
Compus tudo com cuidado e alisei a terra, como se a estivesse a lavrar com os dedos. Depois sentei-me a olhar-te e deixei-me estar. Quando pude, saí e fui ver a ria, sentir a brisa e andar pelo meio dos caminhos. Passei pelo lavadouro, pela ribeira do Martinho, apreciei os jarros que crescem no meio dos campos e se misturam com as canas, o rosmaninho e os malmequeres.

Cheguei a casa e arrumei tudo para regressar à cidade. Foi bom ter estado na nossa terra, sentir o cheiro da nossa casa, ver as nossas fotografias, descansar na cadeira de baloiço, ver o céu azul e lembrar-me de ti. Foi bom ter respirado o ar da ria, porque agora estou mais serena. 
Queria-te aqui para sentir que ainda sou jovem e tu ainda és a minha mãe, na terra. Porque onde estás, em alguns dias, como não te posso ver, fico com uma saudade triste.