quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Saudar 2021

Não sei o que sinto no final deste ano. Não sei que palavras encontrar para desta vez, abrir a porta a 2021. Não vai ser igual e sendo diferente, não sabemos como será. Melhor? sim, é o que todos desejamos, ainda que almejando sonhos diferentes. Há quem peça pão sobre a mesa, uma sopa, casacos para o frio, lençóis quentes, uma lareira acesa, abraços dos que ama, trabalho seguro, proteção, saúde, alegria. 

Se todos precisamos disto? sim, mas há uns que necessitam mais do que outros. Porque não somos todos iguais em direitos e condições de vida. E o ano que agora termina, não tratou a todos por igual. E não é sempre assim? É, mas há situações que obrigam a escancarar as portas e a ver a realidade, tal e qual ela é. Foi assim que vimos e soubemos as condições de vida de muitos idosos, de muitas crianças e familias, de muitas mulheres e homens que lutam e sofrem e fazem pela vida, sem apelo nem agravo. Escancaradas as portas, e reconhecido em muitas situações, a falta de dignidade e de direitos, como vamos acolher e abrir a porta a 2021? 

  Desenho da Maria Rita (3 anos e meio)
É por isso que não sei de que palavras me rodear. Inquieta-me o mundo, inquieta-me a alegria, inquieta-me desejar votos, assim, ao Deus dará. Como se fosse inoportuno e sem pudor, levantar a taça do champanhe e clamar "viva 2021!"...viva o quê? 

Bem sei que podemos e devemos dar viva a quem, reunindo esforços, descobriu a vacina e transformou a angustia em esperança, para nos protegermos e cuidarmos da nossa saúde. Emociona-me essa capacidade de dar a volta ao destino e criar uma resposta para um    problema e disponibilizar essa solução ao máximo de pessoas possível. Será uma boa saudação para 2021. Saudar também quem na linha da frente cuida de quem mais precisa, todos os dias. 

Emociona-me a coragem de resistência de muitos homens e mulheres e a tenacidade para fazer das tripas coração, enfrentando os atentados aos seus direitos, todos os dias, lutando e protestando em som audível e incómodo. Os silêncios, sabemos bem, são cumplicies do desprezo e da negação. Podemos saudar um 2021 com mais visibilidade e denuncia social. 

Emocionam-me as crianças, aquelas que riem e pensam, desenham e pintam, e argumentam ideias e sensíveis aos outros, constroem comunidades de afeto e cuidado, com perícia de mestres. Mas também me emocionam as crianças que protestam, chora, gritam, porque a vida lhes dói e à falta de mediação e palavras para traduzir as emoções, fazem da interação com o outro uma continua luta, tantas vezes, difícil de ser entendida e transformada.  

E emocionam-me ainda mais os educadores que persistem e não desistem e sabem que essa é a mais valia de ser professor, em escolas amigas das crianças. Porque são eles que em conjunto com as crianças, promovem toda a humanidade que há em cada pessoa, mesmo as mais novas. É preciso também saudar isso para 2021. 

E saudar estarmos por aqui, com saúde, pensamento e emoção. Porque passámos por 2020 e "sortudos" não nos podemos queixar. Assim, mesmo com palavras atabalhoadas e sentimentos um pouco ambivalentes, reinventemos-nos para o próximo ano, abrindo a porta a 2021.

Bom ano.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Abrir a porta ao natal

O natal está mesmo a chegar e eu sem tempo para o acolher. Ainda não lhe abri a porta, nem o convidei a entrar, perdida que ando com urgências instaladas. Os dias sucedem-se, vai a noite e chega o dia, vai o dia e chega a noite, as horas curtas e inquietas, porque há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer, qualquer coisa que eu devia perceber, como diz a canção.

 desenho da Maria Rita

Nesta ocupação permanente, falta-me olhar para o azevinho, sentir-lhe o cheiro e o verde pinho, acomodar-me junto à candeia acesa, procurar pequenos caminhos, húmidos e com musgo e figuras do presépio da infância. Os pastores e os reis magos e as lavadeiras, todos perfilados para ver o menino. Saborear o calor das lembranças, que nos trazem o sorriso da mãe, as meias que a avó punha no sapatinho, o sabor do arroz doce e das filhós. E sobretudo o colo, as vozes e o riso por perto dos nossos. Os de casa.

E uma espécie de pudor e culpa assola-nos, pela engrenagem consentida em que a vida se transforma, quase independente de nós, que somos a sua razão e a sua medida. Mas foge-nos o controlo, a insubmissão aos desígnios de um outro olhar, mais sensível, atento, capaz de inscrever a beleza nos dias do calendário que nos guia. Quem diz beleza, diz ternura, encanto, intimidade, alento.  

O natal a chegar e eu com saudade de me recolher. Ficar por aqui, entre o sofá e a lareira, baloiçar-me num tempo lento, convocar afetos e lembranças, coisas pequenas, laços e fitas e alfazema, pérolas esquecidas no fundo das gavetas e no entanto, capazes de mostrar os pontos cardeais da nossa vida. Porque o natal também pode ser essa promessa, unir de novo o que está separado, propondo outro tempo e outros caminhos. Nunca vistos em coragem.

E neste natal, não podendo estar todos à mesa, que não falte o tempo para nos convocarmos por inteiro, rodeados por todos aqueles que no nosso coração e nos nossos dias, têm espaço e lugar cativo na nossa vida e no nosso coração.

Vamos lá abrir a porta ao natal. Cuidando de nós e dos outros. Mas com tempo e sem medo.