Desengonçada e sem prumo, assim se sentia nesse amanhecer, cheio de silêncio e sons, com vogais e consoantes inaudíveis. Dispersa, transparente, gota de água trémula e frágil, no meio de um monte de folhas secas. Desengonçada, sem unidade para sorrir, inteira e plena.
Uma parte ausente. Talvez a mais relevante, fora de si e da terra cultivada dos sonhos. Uma dor melancólica, um frio ligeiro, persistente, com ecos de saudade, compostos pela atenção vigilante dos sentidos. Um foco de luz sobre imagens debotadas.
![gercken AUTUMN OIL PAINTING commissioned fall by GerckenGallery, $158.00](https://i.pinimg.com/564x/f1/d2/76/f1d27644c41fc2e86069e6994c95c731.jpg)
Desengonçada, entre reter e largar. Abandonar-se aos sons infindáveis da alegria, do recomeço com história, da afirmação possível do amor. Redefini-lo no chão largo do outono, misturar folhas e restos de sol, conhecer os mistérios do tempo, permitir a captação da luz, na infindável renovação da natureza. Acompanhar as suas transformações. Ano após ano e agora também. Sentir que de novo será e por isso, atentar, contra a repetição dos dias.
Desengonçada, num equilíbrio instável e à mercê. Sacudir esta predestinação, equacionar outros fins e meios. Não desistir de ser, reunir com afinco bocados belos de folhas quentes, pedaços de cores mescladas de castanho e dourado. Apreciar o poente, reunir de novo a poesia, adormecer com as palavras ao colo. Aproveitar o tempero do outono para acolher memórias e procurar futuros. Amenamente, mas com fio de prumo.
Quando, Lídia, vier o nosso outono
com o inverno que há nele, reservemos
um pensamento, não para a futura
primavera, que é de outrem,
nem para o estio de quem somos mortos,
senão para o que fica do que passa
o amarelo atual que as folhas vivem
e que as torna diferentes
Fernando Pessoa/Ricardo Reis "Odes"
Desengonçada, num equilíbrio instável e à mercê. Sacudir esta predestinação, equacionar outros fins e meios. Não desistir de ser, reunir com afinco bocados belos de folhas quentes, pedaços de cores mescladas de castanho e dourado. Apreciar o poente, reunir de novo a poesia, adormecer com as palavras ao colo. Aproveitar o tempero do outono para acolher memórias e procurar futuros. Amenamente, mas com fio de prumo.
Quando, Lídia, vier o nosso outono
com o inverno que há nele, reservemos
um pensamento, não para a futura
primavera, que é de outrem,
nem para o estio de quem somos mortos,
senão para o que fica do que passa
o amarelo atual que as folhas vivem
e que as torna diferentes
Fernando Pessoa/Ricardo Reis "Odes"