Queria sossegar o coração e dizer-lhe que está tudo bem. Uma conversa franca e clara, por exemplo, que há um sol luminoso que abraça o céu azul e que as árvores estão verdes e bonitas e que no jardim, as flores estão viçosas, a cumprirem a sua função. Que o dia já vai andando para o seu fim, mas que a noite vai chegar, serena e igual a si própria, vestida de silêncio e lençóis frescos a embalar o sono. Dizer-lhe que amanha é sábado, o dia a seguir à sexta-feira, podemos ler o jornal e tomar o café, deixando despontar a preguiça, com tempo.
Mas o meu coração não houve, não se aquieta, faz orelhas moucas, espanta-se com incoerências, pequenos nadas, nega evidências, sonda anacronismos e revezes. E de nada vale chamá-lo à razão, porque se aninha no seu poiso, afirmativo, independente e teimoso.
E não pára de me contrariar, incómodo e imprudente, a roubar-me o sossego e a serenidade. Cheio de si e das razões que lhe assiste, mede risos e olhares, atenta nas palavras, pesa-lhes o alcance e os incómodos, vigia gestos incautos. E regateia, numa dissimulada guerra fria. Não me dá descanso, o insensato, quer ter razão. Não lhe a dou, assim à primeira.
Quem manda aqui? ele ou eu? Vai ter que me ouvir e deixar-se das suas minudências.
(...)
Que estranha forma de vida
Tem este meu coração
Vive de vida perdida
Quem lhe daria o condão
Que estranha forma de vida
Coração independente
Coração que não comando
Vives perdido entre a gente
Teimosamente sangrando
Coração independente