domingo, 11 de outubro de 2020

Do outono para a sala. Que saudades...

Fui andar ao parque e de novo me encontrei com o outono, uma das estações de que mais gosto. As folhas no chão, as suas formas e cores tão belas, o tempo mais fresco, uma melancolia boa que convida ao pensamento e a conversas com os nossos botões. Dei por mim a apanhar folhas e bolotas, como no tempo em que ia para a escola, e com os meninos e as meninas ensaiávamos obras de arte, as nossas, com todo esse material natural. Depois sorri e pensei "uma vez educadora, educadora para sempre".  

Maria Rita, (3 anos e meio)
E senti muitas saudades. Das suas falas e abraços, das suas gargalhadas contentes, do seu calor e da sua criatividade. Da azáfama, do sim e do não, das zangas e da sua reparação, das trocas, dos diálogos, da água no chão, das tintas a escorrer do pincel, da cola na mesa, das árvores pintadas com café.  Saudades de maravilhar-me com a competência e a singularidade de cada um e a crescente aprendizagem de todos, como pessoas, no seio de um grupo que ampara, cuida e desafia a sermos hoje, mais do que éramos ontem. A sala a ficar cheia de nós, artesãos do nosso tempo e da nossa vida. Desenhos, pinturas, textos, mapas, tarefas, histórias, projetos. Nós, grandes e pequenos, a aprender a viver juntos, em cooperação e democracia. Assim, de repente? não, com o lento passar dos dias, com avanços e recuos, com o domínio progressivo do pensamento, da emoção e do "fazer" em comunidade.              

Nesta saudade, lembro-me de muitos meninos e meninas, cuja integração foi mais difícil e inquietante: Choro, protesto, resistência; bater, empurrar, amuar, como impulso e primeira forma de ser e estar. A vida a ilustrar as suas diferenças e injustiças, porque com 3, 4 e 5 anos, há já quem tenha o coração ferido e cheio de sombras e que o expresse, como pode e sabe, junto dos outros. E nós, que da infância apenas retemos candura e encantamento, a ficarmos de boca aberta, a estranhar, a desiludirmos e a culpar meio mundo, com receio de não sermos capazes. E não cumprir o plano de trabalho, aquele tão interessante e tão desafiador. 

Lembro-me do tempo, do espaço e da segurança que foi preciso dar a muitas das crianças que acolhi. Da mobilização do outro lado da pedagogia, o colo, e de outras estratégias procuradas em equipa.  Das leituras feitas para tentar compreender a sua aflição e mágoa, o seu pedido de ajuda.  Porque é isso que muitos comportamentos são, um grito de alerta para nos situarmos na "identidade e circunstância" de cada um, amparando as suas tentativas, às vezes "desastrosas", de se integrarem. Lembro-me das minhas dificuldades, de algum desespero, de achar que não chegaria a bom porto. Mas nunca se apagam as saudades, porque me lembro sempre do caminho feito, passo a passo, na (re)construção da relação, no progressivo apaziguamento, na aprendizagem bonita de cada menino e menina com histórias difíceis. E do afeto e maturidade de outros meninos e meninas do grupo e do seu envolvimento para incluir, compreender e apoiar quem expressava menos conforto. Lições de vida, que me ensinaram que o sucesso está em construir uma cultura de sala cuidadosa com todos os que nela vivem. 

E tenho saudades. Sobretudo da oportunidade de aprender sem desistir de ninguém, cuidando de entender as crianças nas suas múltiplas vidas, contrariando estereótipos da infância como um tempo sempre doce, ingénuo e feliz.  Há muitas crianças e muitas infâncias e como educadores temos o dever de as acolher a todas e a todas proporcionar o direito aos seus direitos.  

Fácil? não, mas tenho saudades. Muitas.