Entre festas e passeios, projetos a terminar, livros e leituras, muitas brincadeiras, o final do ano letivo aproxima-se a passos largos. Invade-me uma ligeira inquietação, uma espécie de nervoso miudinho, o desejo de ter mais tempo para continuar, apesar do cansaço. Tento conter-me neste desassossego, esbracejo por dentro, mas deve ver-se por fora, porque oiço a M. dizer mulher não te stresses! e penso no meu currículo, no nosso currículo deste ano. Tão incompleto.
Penso na semana. E na rapidez dos dias. No quanto planeámos e no quanto fizemos. E retenho como fundamental as conversas...como dizia a L. um dia destes mais outra reunião? sinto-me uma chata mas não posso deixar de mobilizar as conversas, os conselhos. Temo-los aos molhos e apesar de alguma distração e agitação, julgo que os aprenderam a apreciar. Ouvem e falam, nem sempre às horas convenientes ou determinadas na rotina, mas sobretudo quando as situações acontecem. São conselhos urgentes, a quente, onde tentamos que todos se envolvam. Evito os monólogos, mas também existem. Acalorados, emocionados, porque é difícil viver aqui. Porque é difícil construir serenidade. Porque é difícil arrumá-los em lugares de afetos bons e seguros. Porque entram já zangados. Porque constroem relações pela briga, apesar de se gostarem. Porque choram. Porque o corpo não para. Porque querem muito colo. E pessoas atentas e amorosas. Porque precisam de liberdade e contenção.
A A. tira a flor ao R. e fica a vê-lo chorar muito e corre e foge e ri-se e deita-lhe a língua de fora. Observo e depois de entrarmos na sala e nos sentarmos, descrevo a situação e pergunto-lhe porque fez isso. Baixa os olhos e fica em silêncio. Levanto-me e fazendo teatro com o exemplo da plasticina que leva regularmente para casa, se te tirassem, se rissem e tu chorasses? Fica calada e em silêncio. Depois diz mas eu quero pedir desculpa. Esperamos. Como todos estão a olhar sugiro que peça noutra altura, não é necessário ser agora, pode ser quando estiveres sozinha com o R. mas ela diz quase zangada e em voz alta mas quero pedir agora e vocês não me ajudam! Concordamos em ajudar e repetimos em conjunto com ela R. desculpa! ele sorri. Ela também, aliviada e contente. Situação ultrapassada.
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Depois do almoço, quando ficamos sentados, a M. pergunta:
porque é que os homens não querem namorar? Digo-lhe
não sei o que queres dizer. Repete a ideia. Pergunto-lhe:
é isso que me queres dizer? e avanço com:
acho que me queres dizer ou perguntar outra coisa e acho que sabes o que é, digo. E ela diz
namoram, fazem os filhos e depois vão embora. Às vezes acontece, respondo
. E ela diz:
sim eu sei, os pais continuam a pensar nos filhos e a amá-los, já me disseste. Digo-lhe,
e tu não acreditas, é isso? estás e pensar no teu pai e na tua mãe? Diz,
estou...eles não atendem o telefone, sequer...mantenho a conversa como posso entre dar-lhe ternura e atenção e colocá-la frente à sua vida.
No dia seguinte, pergunta
Manela, há homens que namoram com homens? sim, há, respondo.
E mulheres que namoram com mulheres? sim também...faz um trejeito com a cara, como se não gostasse
, e diz
: quando for grande vou namorar com um rapaz. Está certo, digo eu
, escolhes um rapaz mas temos que respeitar quem escolhe diferente. Cada um é que sabe com quem quer namorar...Estão todos a ouvir em silêncio e dizem,
pois...sim... e a S. diz
: pois é como se quer...mas eu não gosto. E a M. diz
e eu vou ter filhos e não lhes vou bater. Vou conversar com eles...e ensino assim. E ensinas bem, digo eu,
apesar das dificuldades...quais? pergunta.
Então as da vida...eu também tenho. Tens? e
querem saber quais são...e falo delas. Ouvem. E talvez relativizem as suas.
Vejo o G. sozinho no recreio, aproximo-dele e pergunto o que tem. Chora e diz que está sem amigos. Chamo alguns e pergunto se podem brincar com ele. Quando entramos na sala, coloco a questão
quando andam no recreio, não vêm os meninos que estão sozinhos? e falo da situação do G. conversamos sobre a importância de olhar e ver e termos atenção e delicadeza para com os outros. Falo das pessoas que estão sozinhas, e dou exemplos:
as pessoas mais velhas que não têm com quem falar, os sem abrigo que não têm casa, e levanto-me a andar, sem olhar para nada, a fazer o teatro de pessoas indiferentes. Olham espantados, começam a dar sugestões, a falarem de poder dar abraços, de dar palavras. E o A. diz
podemos convidar os sem abrigo para irem para a nossa casa...sorrio e digo
se calhar não podemos, mas podemos parar, olhar, conversar...e remato:
o mais importante na vida são as pessoas...se fossemos embora desta sala, e não voltássemos, como é que ela ficava? muitas ideias e o sentimento de que somos nós que fazemos o mundo e o lugar onde estamos. Somos nós que podemos dar aos outros atenção, carinho e alegria.
No dia da criança, depois de muitos festejos e brincadeiras, um jogo na sala. Cada um senta-se numa cadeira e os outros falam sobre essa criança.
Que criança é o...a... ?? espantoso como se conhecem, como escolhem palavras bonitas e como também dizem o menos agradável de forma suave e equilibrada. Quem está sentado sorri de satisfação, os olhos brilham, e sentem-se acolhidos no meio de todos. Os adultos também falam, com cuidado, para não cair em doses de enaltecimento ou critica velada. É um jogo para nos dizermos e dizermos como nos vemos, valorizando-nos num colo coletivo. Resultou. Emociono-me com estas competências relacionais e sociais, que nesta sala, é o motor do currículo, com a amizade que soubemos construir, apesar de muitos dias, ser arranhada, agredida e protestada. E chorada.
Mas é assim. E assim se aprende o que há de mais importante na vida. Sabermos ser em relação com os outros, que é coisa pouco fácil e exigente. Foi isto que fizemos este ano. Sendo muito, às vezes parece-me pouco. Porque com tanta conversa, o tempo escapou, deixando de lado tantas outras coisas. Mas educar é escolher. Em contexto. É bom que me lembre disto.