Por fim, o silêncio. Por fim, um tempo livre para ajeitar o corpo, amansar o desassossego, arredar o cansaço, compor os sonhos. Aproximarmo-nos mais lentamente de nós, do que somos feitos, esta imensidão de ser pessoa, em modo total e imperfeito. Mas único e irreplicável. Singular.
Um tempo livre. Para apreciar o vento, senti-lo leve junto do rosto, abençoar o seu som e a sua rebeldia de viver em liberdade. Ir ver o mar. Determo-nos no azul da água, no dourado do sol e no ruído longínquo das vozes de crianças a brincar. Eternamente, como coisa primeira e gostosa da vida.
Um tempo livre para olhar as flores do campo e a sua teimosia em alindar paisagens. Crescem por todo o lado, sem lugares convenientes, a sua pátria é a terra que nos envolve, lugar de todos, sem donos e vedações privadas. Trazer um ramo de giestas e deixá-las colorir a penumbra da sala. Um assombro de luz para os dias.
Um tempo livre para pegar num livro. Acariciá-lo na sua forma de páginas macias, ler as letras e juntar as palavras, pegá-lo e largá-lo quantas vezes nos apetecer, sentirmo-nos viajantes por conta própria sem sair de casa e do nosso lugar. Alcançar outros mundos, desvendar as suas rotas mais esquecidas e belas.
Um tempo livre para tomar um café com uma amiga de sempre. Rir dos anos que já temos e do dialeto que criámos, mapear de novo os desejos e reconfigurar a vida, falar, trocar ideias e acertar teorias. Aquelas que melhor servem o lastro de amizade, protegem a alegria e arredam os maus olhados
Um tempo livre para olhar, sem pressa, a nossa casa e os nossos. Os que connosco escolheram caminhar e aqueles que nós escolhemos para ter por perto, todos os dias da nossa vida. Um mistério e um desafio, amores suados e reais, não perfeitos, esculpidos na nossa pele e no nosso coração de gente viva.
Um tempo livre para recarregar baterias. Faz-nos falta.
Que marvilha, Manela! Um beijo muito agradecido por mais esta fantástica escrita. Parabéns!!
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