Pega nas palavras e fala corrido, numa cantilena meia adormecida e embalada por gestos vagos, discretos, um voo de uma ave ou o desfazer lento de uma onda, algas abandonadas na areia. Assim, levemente em riso e segredo, em comunhão desprendida.
Pega nas palavras e faz delas companhia de dias inteiros, aprisionando o presente para que faça raíz e caule e deixe marca nas areias movediças do seu tempo. Por isso, relembra lugares e pessoas e atribui-lhes adjetivos e encantos, vestigios pequenos, visualizados à lupa dos seus amores, em cenários revistos e vezes sem conta mencionados. E assim perpétuados, numa espécie de saudade projetada para o futuro.
Pega nas palavras e dá-lhes soltura, porque é solta e livre na vida, mulher de muitas ruas e poucas paragens, a palavra de ordem tem muitos idiomas, todos no mesmo sentido. Setas disparadas em arco para o sol do entardecer, sem alvo predestinado. A lonjura é a sua quimera mais que perfeita.
Pega nas palavras e faz-lhes a corte, qual menina casadoura à espera do seu amado, o que virá revelar mistérios em dias de nevoeiro cerrado. Pega nas palavras e ilumina lugares escuros, torna claro para si as clareiras raras de florestas densas. Quase sem se ouvir, quase em surdina.
Porque é assim que fala, para dentro e em monólogo, parecendo espantar pardais em dia de colheita farta. Mas não abandona o lavar dos cestos, sabe que até ao fim é vindima e ama a cor forte do vinho para celebrar a festa a vida e a alegria. Com muitas palavras.
Por isso, nunca as abandona e namora com elas num amasso permanente. E elas a isso se prestam, languidas e disponíveis, entregues a esta sorte. Não parece haver divórcio à vista, assim se consta. E ainda bem.
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