Abraçaste-me
e disseste que estava bonita, com aquele vestido. Espantei-me e sorri, ultimamente
não estás muito dado a elogios. E discordei, enumerei todas as regras
enunciadas nas revistas sobre o bem vestir: os vestidos largos e curtos, com
flores, acentuam as silhuetas e as formas menos elegantes, evidenciando aquilo
que, com o tempo, se acumula em nós e das quais gostaríamos de nos vermos livres…
não quiseste saber, estava muito bem assim, com ar jovial e descontraído. Por
isso, bonito. Respondi-te isso são os
teus olhos de amor.
E
fui para a praia a segurar esta frase, a remoer à volta dela, como tantas vezes
faço quando me surpreendo com o que digo e penso. Os teus olhos de amor, sim, aqueles
que te permitem ver o que queres e podes ver, em detrimento da realidade, nem
sempre bela ou consonante com a tua zona de conforto. É assim com todos nós.
Todos
temos olhos de amor. E com eles varremos os outros de muitos adjetivos, tantos
quantos conseguimos construir num tempo comum. Os olhos de amor bastam-se a si
próprios, têm carta branca e raramente
admitem questionamentos ou dúvidas metódicas. É assim, porque sim. Crescem à
medida que cresce o amor e tornam-se quase inabaláveis, porque incorporam como
coisa natural o que decorre do olhar do coração. Em alguns casos, os olhos de
amor são eternamente fiéis, apesar da ausência de luz que os alimente.
Com
o tempo, alguns olhos de amor cansam-se, ficando com cegueira passageira ou
definitiva. Incapazes de verem o que sempre viram, ficam estupefactos e
assutados, com episódios de escuridão completa. Não se conhece remédio certo para
esta manifestação, recomendando-se renovação de lentes e afastamento temporário.
Nem sempre resulta.
Alguns
estudiosos tentam, numa investigação regular, encontrar os motivos que levam a
este cansaço. Parece ser difícil obter leis concretas e fazer generalizações, os
olhos de amor são difíceis de estudar. Sendo pertença de todos, têm configurações
únicas. Cada caso é um caso.
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