domingo, 13 de maio de 2018

Para o meu companheiro


Fazes hoje anos, mais um.E foi preciso chegares aos 66 anos para te oferecer uma garrafa de vinho. Julgo que é do bom, foi isso que pedi ao nosso filho mais velho. Do bom sim, para poderes saborear ao cair da noite, numa tarde de lazer a perder de vista, junto ao lugar certo do nosso amor e da nossa vida. Pode ser perto do mar, ou na nossa mesa, ou no quintal, comigo e com os filhos, connosco e com a família e amigos, esses que andam por perto de nós e tornam a vida mais reforçada e sentida. As nossas pessoas, como já escrevi, as que aqui estão, as que não puderam comparecer e as que já partiram.

Resultado de imagem para imagens de copos de vinhoUma garrafa de vinho para ergueres o copo e dizeres, com satisfação “este vinho é bom”, tu que tens gosto fino e paladar requintado. Tu que amas o Alentejo, sonhas com Itália, gostas e gritas pelo futebol, tratas do jardim e deixas tudo crescer, falas com os gatos, fazes boa comida, choras a ver televisão, gostas de café, protestas ao volante, concentras-te em miudezas, arrumas a secretária e rodeias-te dos teus objetos preferidos. Tu que fazes do nosso sótão um lugar cativo de trabalho. Muito, sempre, com dedicação, honestidade e seriedade. Tu que lês sem parar, compras livros e investigas, discutes e desalentas-te pelo rumo da profissão, das ideias e convicções. Do bem ser, do bem fazer e bem pensar.

Uma garrafa de vinho, para arrematar a liberdade e a ousadia de fazer menos do que sempre fizeste e mais do que podes vir a fazer. Porque o tempo corre sem parar, já tens cabelos brancos e apesar dos ténis jovens e do ar descontraído, as rugas instalam-se sem pedir licença, a pedirem outras paisagens e outras paragens, em tempo lento.

Uma garrafa de vinho, como sinal e compromisso para outros rumos e desafios. Menos sótão e mais rua, menos trabalho e mais fruição, mais cinema, mais teatro, mais desporto, muitas conversas longas e boas, ao final da tarde, em doses grandes de preguiça justa e abençoada.
E se te faltar a coragem e a ousadia para tamanhos propósitos, pega num bom copo de vinho e deixa-te ir…talvez um grãozinho na asa seja condição necessária para levantares voo e riscares o céu de um outro tom de azul. Não é um belo objetivo para os anos que agora se iniciam? Embora lá? 

Parabéns! Amo-te.

sábado, 5 de maio de 2018

Acolher maio

Chegou maio, de novo.
Entra-nos pela porta dentro, com papoilas vermelhas e malmequeres amarelos, em pinceladas fortes e viçosas, a confirmar que o tempo se renova e nós também, com ele, sem remédio e opção. Maio inteiro e extenso, alegre, quente e desassombrado, pronto para nos levar para a rua, a trautear maio, maduro maio, quem te pintou? Ainda? Neste tempo? Ainda e sempre, porque nunca é demais.

Papoila, Flor, Vermelho, Flor SelvagemMaio da infância, dos piqueniques de domingo na Mata dos Medos, das brincadeiras ruidosas nos campos de trigo, dos ninhos secretos das andorinhas, da roupa tirada do corpo quente e da água boa num púcaro, a matar a sede. Maio dos amores, da alegria secreta de beijos roubados, da certeza ingénua do alcance do amor, que é um pássaro verde, num campo azul, no alto da madrugada. 

Maio do desejo e da liberdade, para fazer tudo ao contrário da ordem imposta, num lugar cativo e triste. Maio dos trabalhadores, das barricadas nas ruas em Paris, da força dos braços e abraços, da certeza de que juntos se movem montanhas e se chega ao mar. Por mais que as noites durem, os dias tardem e o inverno persista.

Maio chegou, de novo. Precisamos de o acolher e retomar, de braço dado com a liberdade, esse bem de que somos feitos, por direito, utopia e garra. Para confirmar a nossa lonjura de homens e mulheres, atentos e convictos, com uma estranha mania de ter fé na vida. Ouçamos o poeta, neste maio. 

Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta

(...)
Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

 (...)
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida 

Milton Mascimento