Entra-nos pela porta dentro, com papoilas vermelhas e malmequeres amarelos, em pinceladas fortes e viçosas, a confirmar que o tempo se renova e nós também, com ele, sem remédio e opção. Maio inteiro e extenso, alegre, quente e desassombrado, pronto para nos levar para a rua, a trautear maio, maduro maio, quem te pintou? Ainda? Neste tempo? Ainda e sempre, porque nunca é demais.
Maio da infância, dos piqueniques de domingo na Mata dos Medos, das brincadeiras ruidosas nos campos de trigo, dos ninhos secretos das andorinhas, da roupa tirada do corpo quente e da água boa num púcaro, a matar a sede. Maio dos amores, da alegria secreta de beijos roubados, da certeza ingénua do alcance do amor, que é um pássaro verde, num campo azul, no alto da madrugada.
Maio do desejo e da liberdade, para fazer tudo ao contrário da ordem imposta, num lugar cativo e triste. Maio dos trabalhadores, das barricadas nas ruas em Paris, da força dos braços e abraços, da certeza de que juntos se movem montanhas e se chega ao mar. Por mais que as noites durem, os dias tardem e o inverno persista.
Maio chegou, de novo. Precisamos de o acolher e retomar, de braço dado com a liberdade, esse bem de que somos feitos, por direito, utopia e garra. Para confirmar a nossa lonjura de homens e mulheres, atentos e convictos, com uma estranha mania de ter fé na vida. Ouçamos o poeta, neste maio.
Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta
(...)
Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta
(...)
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Milton Mascimento
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