sábado, 31 de março de 2018

Fazes-me falta

Porque escrevemos tantas vezes sobre os mesmos motivos? Talvez para conter dores e aliviar saudades. Aqui estão as minhas, de novo.

Andei a preparar a casa para o domingo de Páscoa. Abrir gavetas, descobrir os panos de linho, a toalha de renda, apanhar estrelícias para a jarra, verificar os copos e os pratos, as taças para a sobremesa. Alindei tudo mas faltou-me a tua alegria por perto. Uma alegria tímida e disfarçada, por pequenos protestos amigáveis, então, estás sempre a ter trabalho, já chega, deixa-te disso...mas a certeza da tua concordância plena, por nos reunirmos todos cá em casa.


Também me faltaram os cheiros, que vinham intensos, misturados com as nossas conversas sobre a infância. A minha e a tua. O padre com o Senhor a visitar as casas, o sino a tocar, as amêndoas na mesa, a rosca dos padrinhos, os vestidos a estrear, os cabelos penteados e o ar de festa por todo o lado. Com pouco a fazer-se muito, como costumavas dizer, a insinuar que hoje se faz pouco, apesar de se ter tanto. Às vezes, sim.

Gostavas de rituais e família por perto. Gostavas de renascer em cada Páscoa, connosco, sentada à mesa, mirando com descrição e ternura as rugas dos filhos, sorrindo, vencida, pelas graças dos netos. Quase sempre em silêncio, alegravas-te com as nossas vidas e agradecias por tê-las à tua volta. E a tua pele transbordava de amor e as tuas memórias vinham, com satisfação, alimentar as nossas histórias.

É isso que hoje me falta. A tua presença, a tua alegria e as nossas deambulações pela casa, juntas, a preparar a Páscoa. Com risos e a presença das tuas mãos, lentas e demoradas, nos panos de linho. Como tu não estás, faço eu, para que a tradição se cumpra em tempos de modernidade. Mas não é a mesma coisa.

Fazes-me falta, mãe.  

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