sábado, 28 de novembro de 2015

Um pedido de natal

Procuro-te.
Lenta e eternamente, procuro-te.
Nas manhas frescas e nas gotas de orvalho, nos esboços da casa que tarda a chegar, nos bocados de musgo na mão do menino que sonha o presépio. 

Procuro-te. Nas bolas de sabão que fogem no ar, na madressilva do caminho para o beiral, no verso do poeta que não se deu por vencido. 

http://alhayatlilatfal.net/Files/art_image/2/art/rimaandnadine/rima19.jpgProcuro-te, para que me digas que é possível, provável e obrigatório que a vida seja de outra maneira e que a pobreza não vai deixar frios os pés dos meninos. Nem cobrir de cieiro o seu rosto de espreitar o mundo. Nem enregelar a sua vontade de o colorir e inventar.

Procuro-te. Para que me possas revelar o mistério das dores da alma, as suas manifestações mais escondidas, os seus laivos discretos e presentes na hora de amadurecer. Por dentro e por fora. A flor, o fruto, a árvore, os homens, as mulheres. E as crianças.

Procuro-te. Lenta e distraidamente, às vezes, bem sei. Porque me assalta o devaneio da gente fugaz, coisas banais e não sensíveis, receios e cansaços da realidade crua, portas e janelas blindadas que ninguém se atreve a abrir. 
Por isso te procuro. Desvenda-me os segredos da igualdade, a alegria do sol nas vielas escuras dos bairros esquecidos e armadilhados contra o sonho e a liberdade.  

Procuro-te.
Diz-me, para que saiba, de que cor havemos de pintar a nossa vida, neste natal. Na rua, em casa, na escola. Com todos os meninos e meninas.

domingo, 22 de novembro de 2015

Os direitos das crianças

Hoje foi dia de sábado pedagógico e ainda bem. Ouvimos o Pedro Branco e as Martas, a Marta Botelho e a Marta Reis, a comunicarem as suas conceções e as suas práticas no contexto do MEM. O Pedro começou primeiro, voz a deslizar à volta da escrita e da palavra, como se tudo fosse fácil, tranquilo e natural. Sabemos que não, não estivesse ele a falar do poder do professor, do lugar da escrita na escola, da procura dos alunos nas suas escritas, da escrita do professor como estratégia para se dizer, comprometer-se e desenvolver-se. Pois, não é fácil, mas foi muito bom ouvir e ter oportunidade de voltar a pensar sobre o assunto, a escrita, essa componente séria e fundamental da nossa vertente de trabalhadores intelectuais, como disse o Pedro.

Depois foram as Martas, numa comunicação cooperada, para ilustrar os princípios do MEM e a sua tradução na pedagogia, no pré-escolar. Que bem explicitado, instrumentos, projetos, espaços e momentos onde a democracia, a cooperação, a cidadania se imbricam uns nos outros e dão lugar à participação das crianças como gente competente e com direitos. Profissionais que se interrogam, vigilantes face às suas práticas fazíamos assim e vimos que não tinha sentido...mudámos... numa lógica de pesquisa e mudança, para uma intervenção educativa e social, com significado e ressonância na vida das crianças. Foi bom ver a persistência destas Martas, para afirmar perante outros, os saberes e o direito à utilização de outros espaços, fundamentais para responder a projetos encetados pelo grupo.

Eu, sentada no meio de muitos, a percorrer a minha semana, à volta com o que fiz bem e o que fiz menos certo, eu, os meninos e meninas e a equipa, a construírem um tempo de participação, entre missão pijama e direitos das crianças. Porque não podemos passar sem com eles pensar e conversar sobre o assunto.
Li o livro Gabriel o direitinho e ainda que não o considere muito fácil, os meninos e as meninas fizeram um silêncio completo, olhos e rosto a seguir todas as palavras, uma adesão imediata, um interesse e uma escuta ativa, apesar da ausência de palavras.

Elas vieram no dia seguinte, em forma de partilha entre todos. Escrevemos o que disseram, devagar, devagarinho, espantados com a sua sensibilidade e assertividade. Escrevemos com alegria também, por todos estarem a falar da sua vida, aqui neste lugar, onde às vezes os direitos andam escondidos e amedrontados por condições de vida difíceis e pouco ajustadas a um quotidiano que se quer com pão, saúde, habitação, educação, igualdade de oportunidades. Não é fácil, mas é um desafio. 

Pois não. Não é fácil a escrita, não é fácil viver os princípios, não é fácil propor práticas que respeitem os direitos. Porque a escola, a nossa escola, ainda anda lentamente à procura de conceder às crianças o seu lugar de construtores de sentidos. Pela palavra, pela ação, pelo presente, pelo futuro.

Não é fácil mas é desafiador. Aqui ficam os direitos vistos pelo nosso grupo, pela ordem que disseram e sem alterações. Já partilhámos com as turmas do 1º ciclo, em cartazes ilustrados por nós. Já temos uma tela em tecido com ilustrações nossas e de algumas famílias. Agora vamos levar para casa. É preciso divulgar e dar sentido social aos que fazemos e pensamos.

As crianças têm direito a ser protegidas da guerra
As crianças têm direito a uma família
As crianças têm direito a ter brinquedos
As crianças têm direito a ter uma mãe, um pai, uma avó, um avô
As crianças têm direito a ir ao hospital e a ter médico
As crianças têm direito a ser bem tratadas
As crianças têm direito a ter uma alimentação saudável
As crianças têm direito a ter um nome
As crianças têm direito a comer sopa
As crianças têm direito a ter uma escola e a ter professoras
As crianças têm direito a ter abraços, mimos e festinhas
As crianças têm direito a ter uma casa e a ter uma cama
As crianças têm direito a brincar 

 Grupo pré-escolar - 20 novembro 2015



segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Que havemos de fazer?

O dia foi intenso, ainda que não tanto como há oito anos. 
No meio da algazarra dos meninos e meninas ia-me lembrando de ti e da tua partida, naquela sexta-feira de 16 de novembro. Nesse dia pensei que morria contigo, tal era a dor no peito e a minha mágoa. Hoje não foi assim, o tempo ajuda a tornar mais suportável e menos densa, a dor. Agora é uma saudade morna, meia triste e meia conformada. Que havemos de fazer?, dirias  tu se cá estivesses. 

http://cdn.olhares.pt/client/files/foto/big/27/270912.jpgHavemos sempre de agradecer a memória e a lembrança do teu rosto, das tuas mãos e do teu riso. Havemos sempre de te convocar em alguns dias para a mesa, rir dos teus ditos que ainda permanecem entre nós e nos aquecem o coração e as pessoas que somos. Havemos sempre de voltar ao teu lugar, à casa onde nasceste, perto da ria e do mar.

Havemos sempre de nos espantar com a arte de renovar a vida e tendo-te perdido, a possibilidade de nos refazermos com futuro. Sem ti e ainda contigo. Pelos laços e pelos nós, pela pele e pela semelhança, porque mãe e avó foste e assim partiste. Havemos sempre de sentir e querer essa condição e esse amparo.

Havemos sempre de voltar ao teu regaço, à doce recordação dos bibes da infância, ao leite com café e às torradas com manteiga. E aos dias de inverno, contigo a fazer o jantar na nossa casa. Havemos sempre de pensar que ser mãe é ser sempre, com ou sem presença. 

Havemos sempre de te amar e sentir a tua falta na nossa casa e na nossa vida. Que havemos de fazer? 

domingo, 8 de novembro de 2015

Fragmentos da semana...

A semana terminou com pipocas e alegria. Também viveu dela e por ela, em conflito com momentos paralelos de zangas e choros. Assim nos vamos fazendo aqui, neste lugar, cheio de coisas boas e outras nem por isso. Mas não há como contornar a contextualização da pedagogia.

A semana andou à volta do que planeámos em conjunto e situações que vinham da semana anterior, tentando firmar a identidade do grupo como motor de compromissos e projetos. É um caminho lento, já o sabemos, com avanços e recuos, onde cada um aprende o seu lugar e o sentido de ser um entre muitos. Fizemos parte do que combinámos e mais parte do que surgiu, permeado pelos momentos de conselho (de manhã e à tarde), como espaços de partilha, reconhecimento e validação do nosso viver em comunidade. E outros conselhos, reuniões de urgência, porque a regra é quando alguém chora, está triste ou há uma zanga temos que parar e dar atenção. E ouvir e resolver. E porque amuar, não resolve vida, nem os problemas. Já todos sabem disto e agem em conformidade.  E sentem-se seguros com esta maneira de fazer, explorando-a até mais não.

http://sounoticia.com.br/wp-content/uploads/2014/03/outono2010_f_010.jpgContinuamos com dificuldade de acertar as nossas ideias com as dos que nos rodeiam, pais mães, famílias. Entra-nos pela porta a vida de cada um e a vida da comunidade, cheia de matizes e expressão, cheia de direitos e perspetivas. Nesta semana os pais do I. zangaram-se muito com um menino mais velho, do 1º ciclo, que teria batido no seu bebé. Foi difícil e tenso, palavras com gritos e afetos gigantes, explicações e escuta...e lá se resolveu. Não sem algumas implicâncias no quotidiano e na interação entre famílias, meninos e meninas, desenvolvimento do currículo. A diversidade dos pontos de vista em ação e nós a mediar.

Nesta semana a M. criticou-me e zangou-se, disse até não quero vir mais para a escola, tu não me dás colo e andas sempre ocupada com os outros. Refutei a ideia e disse que não conseguia dar-lhe o colo que ela queria, mas que dava o que podia. Chegámos a consensos, julgo, depois de muitas falas e demonstrações e lá para o final da semana fui presença num sonho que teve, com festa, e nós duas e a T. vestidas de princesas, com vestidos cor-de-rosa até aos pés. A mãe, que não vive com ela, também esteve no sonho, a dormir noutro quarto. Os meninos que nos precisam para adoçar, esgrimir e tentar resolver parte das suas inquietações e medos.

Nesta semana também, o A. implicou-se mais na dinâmica conjunta e foi capaz de realizar um projeto de trabalho, dando forma a um barco, em volume, feito de folhas secas muito grandes. Cola e arame, mar para o barco navegar, areia e ondas, duas bandeiras de sucesso e conclusão. Foi bom e foi gostoso, para este menino que estando em todo o lado e lado nenhum, precisa de um apoio afetivo e efetivo para projetar, realizar e concluir as suas ideias.

O conselho de final de semana não foi fácil de gerir. A coluna do não gostámos completamente cheia de problemas, um tempo longo sem fim à vista, meninos e meninas cansadas e já desligadas da situação que deu origem à escrita. A A. mantendo a recusa em tomar a palavra, negando com movimentos de cabeça, que empurrou e bateu, fechando-se num silêncio difícil. E nós a tentar construir um espaço de discussão que na cabeça de muitos parece ser de acusação. Sem saber, muitas vezes, como apoiar e mobilizar estratégias. Os secretários a fazerem o seu papel com entendimento e postura organizada, foi bom de ver.

E no fim da semana, a mãe do M., menino de 3 anos que iniciou a escola há pouco tempo, a partilhar que ele tinha dito em casa que temos uma coisa, assim para escrever, que gostamos e não gostamos e não podemos bater...e lá fomos mostrar o diário, contentes por esta partilha e esta desocultação do modelo. Foi também bom ver duas famílias descalçarem-se pela manha e apoiarem os filhos na marcação da presença. 

Assim vamos andando, com alegria e preocupação, persistindo nos princípios e instrumentos que nos ajudam a crescer em companhia, jogando entre o eu e o nós, tentando construir espaços de democracia e inclusão. Aguentando e dando sentido aos múltiplos fragmentos diários que nos desafiam a criatividade, a tolerância e a persistência. Em alguns dias, um leve desânimo que foge rápido quando escrevemos e pensamos na vida destes meninos e meninas, pequenos, fortes e frágeis. 
Vamos lá para mais uma semana...