segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Encontro

Mãe, vou-te contar uma história verdadeira. Sei que ias gostar. 

Fui jantar a casa de uns amigos, no sábado passado, com várias pessoas, umas conhecidas, outras não. 
Chegámos e cumprimentámos-nos, depois das devidas apresentações. E uma cara doce, num sorriso claro disse, em voz baixa, como quem conta um segredo

- Eu conhecia a sua mãe, ela falava comigo todas as semanas. 
E os olhos riram-se, com mil subtilezas e uma proximidade quase física. 

A surpresa apanhou-me desprevenida e estarreci, como se diz na minha terra (e era lá que estava). Uma alegria estremecida entrou-me no coração, alargando de imediato o meu campo de afetos, numa simpatia genuína. Sem mais quê nem para quê, gostei da pessoa. Trocámos algumas palavras e situámos a sua relação contigo. Acertei desde logo sobre os marcos, o tempo, os enredos e as confidências. Confirmei o seu nome e a sua função. Falavas-me dela, quando relatavas timidamente as tuas histórias de solidão no Bunheiro, terra que apenas deixavas por curtos períodos, apesar da insistência para te fixares na nossa casa em Almada. E dizias, meia ambivalente, como quem pensa em voz alta

- Sim está bem, gosto de estar convosco, mas e a minha casa e o meu canto? quem vai cuidar do jardim, e da campa dos avós...e da casa? 

E assim vivias entre cá e lá, sem resolver os teus amores e a tua fidelidade, sempre enrolada em mil novelos de bem querer. E zangavas-te, estando cá e sentias a solidão estando lá. Então arranjavas aliados, gente especial, que te sabia ouvir e que gostava de ti, para tornar as tardes de vento do Bunheiro menos agrestes e mais temperadas. Povoadas de pessoas afetivas, de coração aberto e sorriso pronto. E ritualizavas estas relações com o teu cunho, perguntas, telefonemas e algumas confidências de mulher habituada, mas não conformada, à solidão da viuvez e de uma terra que custava a largar, por ter sido tão vivida e esculpida no teu corpo de menina ainda pequena.

Não falámos muito mais de ti, nessa noite. Mas ficou-me a ideia e a convicção que esta pessoa te foi fundamental no correr dos dias e algum pudor me impediu de fazer (mais) perguntas. A semana, mãe, também não tinha sido fácil e este convívio, uma oportunidade de conversas leves, alegres, amigáveis e muito divertidas. Temi abrir uma porta onde as revelações me pusessem de lágrima no olho. Andei sempre de lágrima fácil, toda a semana, e a noite não era para tristezas. 

Regressámos a casa já tarde e eu a pensar nos encontros que a vida proporciona e como tudo isto é uma aldeia. Grande, mas uma aldeia, onde apetece viver quando, por acaso, encontramos quem bem fez a quem muito queremos. E isso é bom. Faz-nos ficar eternamente agradecidas. 

E a pensar na frase de Saramago "Nós vivemos num lugar, mas habitamos uma memória". Foi exatamente isto que me fez encontrar-te nessa noite.  
   

  

3 comentários:

  1. Estou "arrepiada"!A nossa história já se havia cruzado algures no passado, não se pela Mãe, a sua,se pala amiga em comum, mas mais uma vez nesta vida senti uma "química" quando nos cruzamos.
    Parabéns pelo texto, por este em particular e pelos outros todos também! Obrigada por me fazer sentir que de alguma forme a minha maneira de ser enquanto profissional e talvez como pessoa terá contribuído para que a solidão de alguém se tenha tornado mais "leve"! Obrigada pelo "retrato", parabéns pelo trabalho e temos uma história para continuar!
    Bem haja!

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  2. Mil desculpas pelos erros ortográficos!Onde se lê",não se pela Mãe" é "não sei se pela Mãe" e onde se lê "se pala amiga em comum" é "se pela amiga em comum".
    Agora feitas as correcções continuação de bons textos...

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  3. Só agora respondo...muito obrigada pelo tempo com a minha mãe..mesmo de verdade

    E claro que temos uma história para continuar...venham daí fins de semana e férias

    abraço

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