Foi já há algum tempo, era uma educadora mais jovem, mas não me esqueço. Estavámos lá no jardim de infância, ocupadíssimas com a preparação do dia do pai. Prendas, textos, postais...e conversas, que as crianças gostam de conversar, de falar de si e da vida. E um menino, disse
- Mas eu não tenho pai, Manela
O grupo olhou para o menino, depois para mim, alguns rostos admirados e eu, com calma a dizer
- Claro que sim, tens, ele só não está contigo. Não vive na tua casa.
- Mas ele abandonou-me, a minha mãe disse-me
E eu com cuidado - ideia de mãe é para se respeitar, não é sensato desautorizar quem é figura de referência para a criança - puxei o menino para o meu colo e disse
- Abandonou-te? Pois eu não sei, se a tua mãe diz...mas eu acho é que ela deve estar muito zangada com o teu pai, porque ele foi embora e ela ficou triste...e agora diz que ele te abandonou, é isso que ela sente, se calhar foi assim...mas eu acho que devias deixar um bocadinho de espaço no teu coração para o teu pai. Para pensares nele e também para que que um dia, quem sabe, se o teu pai aparecer, lhe poderes perguntar o que aconteceu. Nós não sabemos, tu não sabes pois não?, não sabes mesmo o que que aconteceu para o teu pai se ter ido embora...e ele pode ter uma explicação qualquer...
E a conversa coninuou com os outros meninos a darem opiniões, a contarem dos seus pais, separações, zangas e outras coisas lá de casa. Nesse dia a azáfama do dia do pai parou, ficámo-nos por esta longa conversa, forte, sensivel e dificil.
Passado uns meses, talvez dois, numa segunda-feira, o menino entrou na sala de manhã, a gritar e disse
- Manela, Manela, tinhas razão
Sem me lembrar da conversa anterior, digo-lhe
- Bom dia! em que é que eu tinha razão?
Sentámo-nos todos, muito depressa, o momento era muito importante. Voltei a sentar o menino no meu colo e pergunto-lhe
- Então como é que soubeste isso? Queres-nos contar?
- O meu pai veio ver-me este domingo. Ele disse-me que não me abandonou. Apenas fez um disparate e teve que ficar preso
- Ah, sim, disse eu, às vezes essas coisas acontecem na vida. As pessoas fazem uns disparates, às vezes nem sabem bem porquê, mas como são coisas menos boas, as pessoas têm que ir para uma casa, uma prisão, e ficam lá algum tempo...mas olha, gostaste de ver o teu pai? como é que foi?
E o menino a sorrir disse
- Ele agarrou-me e mandou-me ao ar muitas vezes e não me deixou cair...e disse que estava sempre a pensar em mim...
E a conversa continuou. Com pormenores sobre um pai que voltou e um filho, menino, a sorrir no centro da roda, com outros meninos também a sorrirem, atentos e embevecidos com a felicidade estampada no rosto do amigo. E eu também feliz, pela alegria do meu menino. E sobretudo por não ter desistido de tentar, na conversa inicial, resgatar uma imagem positiva do pai, coisa fundamental para se prosseguir com serenidade e segurança na infância. E feliz também pelo acaso. A sorte que tive em ter comprovado a minha tese. Melhor que isso: a sorte que o menino teve de um pai que tendo partido, não o abandonou. Nesse dia, é que foi mesmo dia do pai e não foi necessário estar definido no calendário.
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