Não sei o que parece apetecer-me assim falar do meu gato, eu que nunca gostei muito de animais. Quer dizer, não ligava, não lhes dava muita importância, tão embrenhada que sempre andei a tentar decifrar o mistério da vida das pessoas, dos homens e das mulheres, atividade em que investi quase toda a minha energia e afeição. Investi e invisto, muitos mistérios permanecem ainda encobertos e de dificil desocultação.
Lembro-me apenas de um gato vadio, na infância, com o qual me irritava muito, porque arranhava o meu avô, que quase cego, chamava por mim, aflito. Eu corria atrás dele e só descansava quando já não o via. Não foi um bom principio. De cães tive sempre medo, até mesmo quando fizemos a vontade ao meu filho mais velho e comprámos um, eu a contragosto, mas vencida. Ficava no quintal e estava proibido de entrar em casa. Mas era bem tratado.
No natal do ano passado, perto da meia noite recebi um gato, prenda conjunta de três pessoas de quem gosto muito. Ainda por cima, chegou num cesto de verga pelas mãos de duas grandes amigas que cumplices com a situação, se ofereceram para fazer a surpresa ao vivo. Quando o gato, bem pequenino, de pelo cinzento, a miar, saltou para o meu regaço, juro que não sei o que senti...estupefacta, maravilhada com a ideia de quem me deu um gato e quem se prestou a fazer a encenação, emocionei-me...mais uma vez pelas pessoas, claro, que tinham sabido inventar um prenda absolutamente diferente. Viva. Quanto ao gato, olhei para ele desconfiada e juro que pensei, sem dizer nada a ninguém "como é que me vou relacionar com ele?". Dias mais tarde, comentava já sem receio ou sentimento de culpa "eu acho que não vou ser capaz de gostar muito dele..."
O gato, o meu, chama-se Gattuso - nome combinado cá em casa e ao qual não me opus - já está crescido. Muito. É um persa cinzento, com um pelo grande e macio, que todas as noites tem um ritual: procura-me no sofá, aconchega-se no meu regaço e espera que lhe faça festas e mimos. Ronrona, de nariz levantado e enrosca-se de mil maneiras diferentes, a procurar o meu calor e partes do colo de que gosta mais. Ajeita-se como entende. De vez em quando enconsta os olhos muito perto dos meus e olha-me com atenção. Ponho as mãos no seu pelo e sinto como é macio e morno. Dizem cá em casa que é arisco e de facto tem dias em que se esconde e corre e foge e...faz xixi onde não deve, coisa que é atipica para um gato, dizem os entendidos. Não me importo, parece-me coisa da sua "personalidade", a que acho graça, tirando os dias em que me zango. Mas sou branda e gosto muito dele. Não creio que tenha aprendido a gostar mais de animais, apenas me liguei a este, um bocadinho mais em cada dia que foi passando, desde a noite em que cá chegou. Pelo seu pedigree? Não, pela forma como entrou cá em casa, pelas pessoas que mo deram, pelo significado da oferta. E porque era natal, havia luzes e anjos, estrelas e duendes e o ano novo se apresentava como uma promessa de renovação da vida e do amor. E também claro pelo seu jeito de ser gato. Mas isso é coisa de menos importância, quando comparado com a história da sua vinda cá para casa.
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