É muito antiga e já foi muito velha, estando agora nova e bonita. Falo de uma casa, com quintal e um poço, algumas árvores de fruta, flores, uma eira, um alpendre com lenha para a lareira e uma arrumada, como sempre dissemos e continuamos a dizer, onde se guardam algumas velharias de outros tempos. Não as deitámos fora ainda, são uma memória necessária, estão lá porque sim e porque não podem ainda ir para a reciclagem. A reciclagem é um procedimento moderno, util, mas nem sempre adequado quando precisamos de manter atuais as memórias antigas. Num dia certo de um tempo que há-de vir, arrumamos a arrumada, despimo-la das velharias e fica tudo limpo. As memórias essas vamos guardá-las na gaveta do coração que é enorme e tem várias divisões.
No interior da casa, mudámos muita coisa. Ou melhor, pintámos de novo o espaço renovado, mantendo o essencial, que é como quem diz, as histórias de quem lá viveu, sonhou, amou...colocámos fotografias: de pais, filhos, tias, avós, em diferentes lugares e épocas, mantendo o fio do tempo que ligou e desligou quantos por lá viveram. De facto e em relação, porque a casa nunca teve muita gente. Mas passa por ela, quando a olhamos, muitos rostos e pessoas, alguns que ainda estão entre nós outros que já partiram, mas que fazem da casa a sua força maior. E ela é pequena, mas amplia-se quando vemos a máquina da costura, o metro de madeira de medir os tecidos, as cadeiras pequenas das crianças se sentarem, oa travesseiros de renda da cama com cem anos, recuperada e ainda no mesmo quarto. Amplia-se mesmo, fica enorme, quando da janela se avista o braço da ria e os juncais e na rua passa um homem em cima de um carro de bois. Se formos às escadas que sobem para a porta da rua, conseguimos ouvir o vento das madrugadas onde saíamos de bicicleta para ir apanhar a camioneta que nos lavava ao comboio que ia para a cidade onde estudávamos. Esta é uma amplitude tremenda, fica o tempo suspenso e sentimo-nos novamente muito jovens e aprendizes.
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