Sábado de chuva. Nada a opor, o dia está de bem comigo, hoje
Olho lá fora o cinzento do céu e o verde das folhas molhadas das árvores. Retenho o correr da água que cai e imagino o calor das casas pela manhã. Não de todas. Quero-me quieta e em silêncio, aquecida por uma chávena de café quente, embrulhada numa manta de algodão. Preciso de me aconchegar, sinto o corpo desamparado e o coração trémulo. Uma inquietude, ainda que leve, assombra-me o dia, necessito de me recompor com palavras belas e promissoras.
Temo que a poesia me tenha abandonado e se assim for, não tenho outras armas para me abeirar do mundo e entendê-lo. Necessito de voltar ao principio, rever o mapa, confirmar o ponto de partida e assegurar o ponto de chegada. Reconfigurar a viagem, com pão, sol, água, amigos, sonho, loucura, esperança e precisão. Alguma mestria, se possível e toda a arte de que for capaz. Necessito de me orientar e assegurar de que permaneço com a força de sempre.
Ainda assim sei que não posso prosseguir sozinha, desprovida que estou de um dos meus utensílios de maior alcance para o sucesso da viagem. A alegria de pegar em palavras e desenvolver as ideias e a esperança com que alimento a vida que me alimenta. Preciso de me traduzir.
Aqui fica, por Ferreira Gullar
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo o mundo:
outra parte é ninguém
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte se sabe
de repente
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
Gostei muito desta poesia de uma(?) poetisa que desconhecia. Tenho andado encantado com outra poetisa de nome Cecília Meireles. Denxo aqui uma quadra apenas do epigrama nº 2.
ResponderEliminarÉs Precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir,e, quando vens não te demoras.
Foste tu que ensinaste os homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.
Um abraço fraterno
Jsarmento