Setembro, quase quase a meio. Tempo de inicio de escola, já o dissemos.
Hoje e agora não quero escrever sobre essa matéria, invadem-me outros desejos e memórias. Imagens quentes do tempo das vindimas. Não deste lugar, aqui estamos na cidade e na cidade, o vinho chega já feito, ainda que no meu quintal (ou jardim?) a videira tenha dado algumas uvas. Poucas, é claro, mas doces, muito doces. Os meus rapazes lembraram-se logo das uvas do avô, que também não eram muitas, mas eram de estimação. Um mimo alegre que ele nos dava, com orgulho. E nós a fazer-lhe o gosto de apreciar o seu cuidado para connosco. Coisas boas, simples, afetos selados por trocas de fruta e caldeadas com risos e refeições em conjunto.
Relembro e tenho saudade. Das conversas na sala, entre acenos, discordâncias e teimosias, quando em noites de futebol, a repetição do golos, dava origem a que netos e avô se envolvessem em discórdias amigáveis: os netos, porque diziam que era repetição, o avô, porque achava que era um novo golo. E somava-os, convicto, ainda que surpreendido.
No outono é quase sempre assim, um misto de poesia no ar, a cabeça longe do lugar onde o corpo permanece, uns laivos de melancolia, um gosto agridoce na boca e no coração. Aceito as memórias e deixo-me ir no seus enredos, ajeitando, com serenidade, o calor e o bem estar que elas me dão. Ainda hoje.
E por estar assim, apesar das tarefas escolares, obriguei-me a uma pausa e a um alimento para o coração e a reposição de energia. Não, não foram uvas, essas foram comidas há mais tempo, propus-me um reforço de palavras, em forma de poesia. Elegi Miguel Torga, mais uma vez.
Aqui fica
Confiança
O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura que não se prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova
Miguel Torga
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