Subiste ao palco e leste o teu escrito, em voz pausada e um pouco seca. No meio de muitas outras pessoas, ouvi-te com atenção, sorrindo pela tua liberdade e ousadia, ainda que discreta. Para meu espanto (ou talvez não?) começaste a ler o texto a falar da mãe, revelando os nossos pequenos segredos, coisas assim de casa e do foro íntimo, a minha teimosia em alindar-te e pôr-te composto, a minha mãe disse-me que era melhor eu trazer uma camisa e eu disse que exagero, mãe, um polo serve. A minha mãe pede-me todos os domingos que eu apare a barba, e eu respondo que exagero mãe já ninguém repara...a minha mãe não acreditou quando eu lhe disse que me tinha sido atribuído o primeiro prémio de jornalismo do festival de Almada. A sério? Não, estás a brincar comigo... e continuaste por aí fora, falando da tua profissão, das coisas que fazes, do que gostas mais e menos, das características do trabalho que mereceu o prémio.
Depois agradeceste a quem tinhas que agradecer, que uma vitória tem sempre um pouco de muita gente e reafirmaste o quanto gostas de ser da margem sul, essa identidade que trazes desde muito novo, e que apregoas aos quatro ventos, marcando o quanto gostas da tua cidade, em contraponto a vozes que elegem o menos bom da diversidade de culturas, histórias de vida, projetos, sonhos e desvarios da gente da outra banda.
Enquanto falavas, o meu coração passeava pelas memórias da tua infância, a mão dada quando te ia buscar à escola, as paragens na soleira de prédios para comermos gomas, entre conversas felizes de fim do dia, e risos grandes no teu rosto a atravessar cansaços. Lembrei-me das tuas pesquisas curiosas e persistentes sobre o mundo, das tuas perguntas e comentários certeiros, com a cara deitada em cima do banco do carro, com ar ensonado, quando pela manhã íamos para a escola. Lembrei-me do teu primeiro poema para a professora Clara, as primeiras composições sobre amigos, o poema "espelho" que fizeste com a Lena, os textos raivosos de adolescente, a fúria contra os riscos vermelhos dos professores a corrigirem palavras, a carta que me escreveste e dizias a minha mãe é a rainha da educação de infância.
Mas sobretudo lembrei-me do teu corpo a sair do meu, do barulho do mar que parecia ali estar e da voz do médico a dizer...ai que agora tenho aqui uma mãe poeta quando te saudei, numa espécie de benção para que fosses eternamente feliz.
Lembrei-me de tudo isto e muito mais enquanto te via já assim grande, jovem premiado em frente a uma plateia, menino pequeno junto de mim. Depois bati palmas em conjunto com os outros, pelas tuas palavras, bonitas, justas e ousadas. E sozinha bati palmas pela tua sensibilidade, cultura, persistência, clareza, rebeldia. Sozinha, porque sou tua mãe, bati palmas por seres quem és e por lutares todos os dias pela tradução do mundo através dos teus dedos e dos teus sonhos.
Parabéns, filho. Parabéns por este prémio e pelo teu trabalho. E olha, se houver uma próxima, talvez possas ir de camisa, o que me dizes?
Que haja outros, com barba ou sem ela, com polo, camisa ou fato. Muitos parabéns pelo prémio e pelo texto (fiquei com a lágrima ao canto do olhos e não os conheço pessoalmente).
ResponderEliminarObrigada. Obrigada por ler e dizer sempre umas palavras. As palavras são de facto, pontes que nos ligam aos outros. E isso é necessário no mundo...
ResponderEliminarTal como o Topa (que por acaso conheço), fiquei com lágrimas nos olhos. Parabéns à mãe, parabéns pelo filho, pelo prémio, e essencialmente à escrita da Manuela.
ResponderEliminarMuito obrigada, Rosa. E boas férias!
ResponderEliminarTambém fiquei com uma "lagriminha" ao canto do olho. Ficamos felizes com as alegrias das amigas e dos filhos das amigas. Parabéns para ti e para o teu menino.
ResponderEliminar(Deixa o rapaz andar como gosta) B & A
Não tenho mesmo alternativa se não deixar que ande como gosta! obrigada, Ana, abraços
EliminarMuitos parabéns aos dois!! Um beijinho especial à mãe.
ResponderEliminarParabéns à mãe, parabéns ao filho.
ResponderEliminarEle soube beber o leite da mãe, e bebeu as letras,as palavras, a escrita, o sentir, deves sentir orgulho .
Que ele continue a seguir as pegadas e voe pelo espaço dele.
Um abraço