Já cá faltavam as clássicas arrumações de verão. Não que delas sinta falta, estou cheia de preguiça e moleza, mas impõem-se algumas obrigações neste tempo livre, e arrumar é uma delas. Para reordenar e limpar a acumulação de um ano de lufa lufa e corre corre. Por isso estas arrumações são feitas em modo de câmara lenta, um pouco ao sabor da disposição, sem perder o objetivo final: tornar a casa e alguns dos seus espaços mais livres de acumulações sem jeito. Inúteis. Tenho sempre dificuldade em dar este estatuto a muitas coisas que tenho. Guardo papéis rabiscados, desenhos antigos de crianças meio amarelados, postais, canetas, marcadores de livros, pequenos objetos que têm uma história e quando os ponho num saco decidida a deitá-los fora, perco-me a olhar para eles e muitos regressam ao seu local original. Aborreço-me com esta caracteristica, mas é assim. Prendo-me a pessoas e por isso não gosto de mandar fora alguns dos seus vestígios na minha vida. Ainda que depois tenha um trabalho danado em limpar pó e conservá-los.
Mas a antiguidade de alguns objetos dão corpo às rugas que tenho, às escritas que faço, aos caminhos que palmilhei. Dão corpo ainda à memória e ao coração, esse músculo incansável com estranha forma de vida. E estando sempre a bater, alegra-se e bate mais contente sempre que dá de caras com coisas lindas e belas. Hoje foi uma fotografia dos meus rapazes, o mais velho com um sorriso lindo, doce e brilhante, a segurar o mais novo ao colo, com a cara em gargalhada, exuberante e ruidoso. Como sempre foram e ainda hoje se manifestam: um mais discreto e reservado, outro mais atrevido e visivel.
Os dois, amores da minha vida, alegria dos dias cansados, desafio das noites de cisma, quando as preocupações ensombravam a chegada da madrugada. Os dois, traves mestras da minha esperança, quando a minha mãe partiu e não havia forma de secar as lágrimas e aguentar a dor profunda no peito. Já grandes, no meio das suas lágrimas pela partida da avó, souberam-me dar colo, abraços e palavras reconfortantes. Eles e a avó, uma lição de afeto que guardo em mim, risos e segredos, conversas tontas de netos, preocupações doces de avó. A casa cheia deles, entre partilhas e concordâncias, recusas e discussões, tudo à conta na vida, que o amor também tem dias menos calmos e marés de confronto.
Olho para a fotografia, vejo-os meninos, penso na minha mãe. Gostava de os ter juntos de novo, como gostava. Ficar com a casa cheia de palavras e movimento, uns a entrarem e outros a sairem e a avó, de olhos curiosos e brilhantes, a apreciar e a opiniar sobre tanto vai e vem. Mas tudo vivo e acutilante, dialógico e familiar. Não será possivel este meu desejo, eu sei.
Arrumo de novo as fotografias e ponho a avó junto dos netos. Assim é que está certo. Para mim e para esta saudade que saltou, no meio das arrumações e de uma fotografia.
Hoje, sábado, no dia dos avós, dizem.
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