Nesta Páscoa que se aproxima, o tempo corre manso e morno. A primavera dá-nos flores e pássaros, papoilas vermelhas e girassóis amarelos, prontos a erguerem-se com o amanhecer dos dias. Por aqui estou, a apanhar bocados de pétalas coloridas, fragmentos de sol no cabelo, conchas partidas na areia fina da praia.
Escuto a cadência da vida, ano após ano, como as águas frescas a correrem para o mar.
Despeço-me do inverno, uma ponta de frio espreita ainda, presa à lembrança da chuva que caiu nos meses findos.
Quero-me envolvida no tempo que vem, procuro vestígios de primavera doce, embrulhada em amêndoas de chocolate e canela.
Faço tudo devagar, sem me desprender de mim, uso as palavras que tenho e cubro-me com elas, um manto imenso de silêncio e paz. Releio Manoel de Barros
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos
Tenho abundância em ser feliz por isso.
Meu quintal é maior que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios
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