Entrou na sala, a sorrir e disse-me de repente
- Manela, tu és uma artista?
- Artista? Não sei, diz-me tu, o que é que achas?
Ficou a sorrir a olhar para mim e a sua amiga preferida, que entretanto também entrara na sala, disse
- Eu acho que és...porque trazes muitos artistas para nós... e porque sabes desenhar garrafas e copos...
Dei uma gargalhada e disse:
- Vocês acham? acham que sou artista por isso? Mas olhem, eu gostava era de ser artista das palavras, dizê-las bem, escrever as mais bonitas que encontrasse, fazer histórias, escrever livros bonitos...
- Então, tens que fazer. Pegas num papel e escreves, tentas...tentas muitas vezes...tu vais conseguir, tu vais ser capaz.
E saíram para o recreio, a rirem, bem-dispostas e alegres.
A garrafa e o copo tinha sido obra imposta no quadro, depois de uma conversa com a enfermeira C. sobre os perigos de consumir substâncias perigosas para a saúde (no caso bebidas alcoólicas e tabaco), no contexto do projeto embaixadores da saúde, em que estamos envolvidos neste ano letivo.
Terminada a conversa, alguns meninos e meninas foram ilustrar o que tinham aprendido, exigindo que eu fizesse uma garrafa e um copo no quadro. Resisti quanto pude, como sempre faço, medindo a importância de ceder ou não, às suas representações sobre o que conseguem ou não fazer. É uma luta que por este lugar é reincidente, e quando vejo que é melhor aderir, desenho o que me pedem de muitas formas e feitios, contrariando a ideia de que existe apenas uma maneira de fazer.
Neste caso, desenhei muitos copos e garrafas e eles iam rindo, expressando com o riso e os comentários, a compreensão da minha mensagem. E foi assim que muitos copos e garrafas apareceram, diferenciados, nos desenhos que ilustraram. E foi por isto que me tornei artista.
Para além da escrita, paixão da minha vida, não lhes disse que queria também ser artista do currículo, para encontrar a melhor representação de mim como escultora, pintora e poeta dos nossos dias, impulsionando um ambiente de criatividade, descoberta e aprendizagem serena. Não lhes disse que queria ser artista para com as estratégias certas, eliminar a fúria que transportam dentro de si e demora a sair dos seus corações de crianças. Não lhes disse que queria ser artista para fazer nascer o sol para todos e aquecer a sala de afeto e alegria, arrumando de vez o gelo das vidas que carregam em si. Não lhes disse que por aqui, ser apenas educadora, não chega.
E lembrei-me desta frase escrita na minha tese de mestrado, há muitos anos. O que eu aprendo e reatualizo com os meninos e as meninas...
Educar é uma arte. Porém, são muitas as competências que convergem nesta arte, tal como são muitas as competências no artista, as decisões imperiosas sobre quando e como combinar essas competências. Os conhecimentos necessários para o fazer não são apenas uma competência técnica. Podem ser, sem dúvida, adquiridos, mas são também algo que provém das crenças mais profundas de cada um de nós e da nossa paixão pelas Crianças e pelo Mundo (Walsh, 1994)
Manela, tu és de facto uma artista fazes um trabalho fantástico com as crianças!! Beijos
ResponderEliminarque palavras tão certeiras, sobre tanto que aqui escreve, e desta vez, as garrafas e os copos, as tantas maneiras de fazer que há e o tentar resistir a mostar...
ResponderEliminarobrigada