sábado, 22 de novembro de 2014

Envolvimento e participação

Com algum cuidado, lá acertámos os dias para virem à escola para em conjunto com os filhos, participarem na iniciativa do dia nacional do pijama. O convite foi informal, em conversas matinais, ao pé da porta, cara a cara, num tom quase aligeirado, que por aqui, os pedidos convencionais com palavras escritas morrem na praia e produzem pouco efeito. E lá vieram, durante três dias, mães, pais, irmãs, umas acompanhadas com outras, que isto de ir sozinho à escola, fazer não se sabe bem o quê, não é fácil nem tranquilizador. E de tantas mãos empenhadas, a princípio a medo, depois com risos e conversas (mais) soltas, nasceram belos corações de cartão, decorados com panos coloridos, bocados de tule e renda, papéis brilhantes, e tantas outras coisas que foram encontrando dentro das caixas colocadas no meio das mesas. Tal como as crianças, misturaram cores, cola, recortaram, colaram, pediram apoio, negociaram com os filhos, aprumaram-se na tarefa e fizeram as suas obras. Lindas.

Também houve encomendas para quem não pode ou não quis comparecer à chamada. Distribuiu-se o material, que nem sempre existe em casa o que abunda na escola.  Se assim é, resta-nos encontrar outras estratégias e contrariar o que pode ser impedimento. Assim fizemos e ficámos expectantes sobre os resultados, depois de um ano em que as aproximações entre escola e família, foram tímidas, conflituosas, ausentes, ainda que em crescendo, desde o início do ano até ao seu final. Por isso, quando as encomendas chegaram e nos eram confiadas com gestos reservados e olhos a inquirir sobre o seu valor e perfeição, maravilhámo-nos e agradecemos. E documentámos o trabalho, devolvendo o seu interesse para uma causa comum e para cada um dos participantes. Agora temos a sala com muitos corações e retratos de famílias, que as crianças, todas as crianças, têm direito a uma família.

http://blog.fernandaferraro.com.br/wp-content/uploads/2011/06/%C3%81rvore-de-cora%C3%A7%C3%B5es.png
Se conto tudo isto e sobre isto escrevo, não é por ser coisa rara nos contextos da educação de infância. Todos conhecemos o trabalho desenvolvido pelos educadores no domínio da relação com as famílias e as diferentes estratégias .para dinamizar a sua participação no currículo. Quando comparado com outras experiências, o que se viveu na nossa sala é uma pequena gota, mas a gota certa para nos saciar a sede e a esperança nos beneficios de uma educação partilhada. Porque por aqui, ainda nos encontramos no limar das arestas, no início da caminhada, da criação de um lastro de bem viver, de acertos de linguagens e pontos de vista, da desconstrução de uma representação da escola como território exterior, pertença dos professores, e onde a participação ganha contornos de entradas abruptas para guerras, desconfianças e exigências.

Porque por aqui, as culturas em presença cresceram afastadas dos direitos de cidadania e as histórias de vida guardam memórias de escola onde o insucesso e a estranheza foram a nota dominante. Sabemos todos como a participação exige um autoconceito positivo, o reconhecimento do projeto educativo como coisa partilhada, sendo comum que quem mais participa é quem se revê e entende a cultura de que a escola é portadora. E a escola produz linguagens e projetos que muitas vezes são estranhas ao universo cultural das familias em presença.  Contrariar esta realidade é duro, difícil e exige uma extraordinária resiliência e sentido de futuro. Porque as mudanças são tão lentas que quase se desiste no limiar do cansaço.

Sei que não exagero e sei por isso que o que vivemos foi bonito e novo. Aqueceu-me o sonho e ajudou  a confirmar que se a educação não pode tudo, alguma coisa a educação pode (Paulo Freire).  Pois é, pode inundar a sala de corações coloridos, num gesto solidário de grandes e pequenos. Pode criar espaços de afirmação de pessoas que habitualmente vivem na sombra, podem ser sementes de histórias de  outras linguagens, onde todos se incluam e onde todos se revejam.

Fácil? não, não vai ser, mas já começámos. Saiba eu e toda a equipa manter a capacidade de investir, aceitar a lenta sucessão dos dias e encontrar as estratégias certas para apoiar a(s) mudança(s). Saiba eu aguentar o desejo de outra(s) realidade(s) mais fáceis e de maior feição para o trabalho educativo. Temos que estar onde somos mais necessários.

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