segunda-feira, 9 de junho de 2014

E quem disse que era fácil?

Decididamente, este não é um tempo fácil. 
Irrompem por muitos lados situações menos tranquilas, comunicações apenas para um dos lados, eu a falar das crianças e as familias a vê-las noutro sentido. E está certo, assim é que é, assim é que deve ser, uma educadora é uma educadora, uma mãe é uma mãe. Eu não os carreguei na barriga, carrego apenas umas quantas horas ao longo dos dias e nem sequer é dentro de mim. É muito ao colo e muito perto do peito, mas não é de facto, cá dentro. E isso faz toda a diferença. O que eu gostava era que as diferenças de olhares se completassem, se entendessem para alcançar estratégias conjuntas. E pontos de vista que não se anulassem - ou isto ou aquilo - mas se ampliassem - istou ou aquilo e mais isto e mais aquilo. Porque a vida não é uma sinfonia a dois andamentos, mas a muitos. Aliás, a vida não tem só andamentos, tem também muitos desandamentos.

Tudo isto a propósito de transições de ciclos e dos meninos e meninas estarem mais ou menos capazes de seguirem em frente, com autonomia, segurança, aprendizagens, sentido social e individual do "escrever, ler e contar". E nós sabemos que num percurso de vida até aos seis anos, estas conquistas têm diferentes expressões, significados e importância para os meninos e meninas que estão numa sala. Por muitas coisas, que vão desde as experiências familiares e sociais, até aos interesses individuais, estilos de aprendizagem, modos de ser, competências e aptências ... e sei lá mais quantas outras coisas. O que nos resta decidir é se já é tempo de partir para um mundo onde as aprendizagens formais do ler escerver e contar se transformam nas prioridades de ensino e aprendizagem, durante cinco horas por dia, cinco dias por semana.

E há meninos e meninas que ainda não estão prontos. Mais novos - em meses e maturidade - necessitam ainda de uma imersão mais profunda em mundos de projeto(s), com letras e números e pintura e desenho e recorte e colagem e dramatização e música e movimento...precisam ainda de aprender a estar com atenção e a descobrir dentro de si, o desejo e a necessidade de investirem, com autonomia, em aprendizagens autênticas e significativas para si. E mais importante ainda, precisam de aprender a serenar o medo, a inquietação, a disputa, a zanga fácil, a birra e a impaciência. Para ficarem mais ordeiros? Não, para que a cabeça e o coração sosseguem e fiquem libertos para aprender, que é sempre um ato que necessita de espaço e de uma vida emcional mais ou menos resolvida. Claro que nem sempre é assim, mas é maioritariamente assim. Como dizia João dos santos "tire a mãe da boca e aprenda a matemática com as tias". Queria ele dizer que era necessário estar de bem com os nossos afetos mais próximos, para poder aprender com os outros, tias ou professores.

E era isto que eu precisava de ter dito, hoje, mas não desta forma, claro. Falei do que foi possivel e como foi possivel e não me fiz entender como gostaria. Ou melhor, não consegui vencer uma representação de escola como espaço que deve, desde muito cedo, estar presente na vida das crianças, em vez de um jardim de infância, porque "aqui só se brinca e assim não se aprende". Compreendo. Já li e vivi o suficiente para compreender esta ideia e o seu significado na vida das famílias, nomeadamente nesta comunidade. É natural que assim pensem.
Mas compreender, neste caso, não ajuda ao meu sentimento de missão não cumprida. Decididamente este não é um tempo fácil.

7 comentários:

  1. Não, não é fácil, mas tal como as crianças precisam de tempo para crescer - tempo esse que nem sempre os pais os deixam ter, considerando um "ano perdido" aquele que, na maior parte das vezes, é um "ano ganho" - também esse tempo deve ser dado aos próprios pais, que também precisam de crescer na compreensão, no entendimento, na confiança que depositam no profissional que cuida dos seus filhos.
    Dê-lhes esse tempo Manuela, depois certamente colherá frutos.
    Entretanto, tal como eu, continuamos a fazer o que podemos e temos, com isso, a consciência tranquila. Que não sossega o coração, pois ficamos a pensar como será a vida daquele menino/a quando lhe forem pedir mais do que está preparado para dar...

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  2. Como eu vos compreendo, quase todos os anos passo por essas dificuldades, falara um linguagem que os pais não conseguem entender naquele momento. Alguns, quase todos com quem se tem que ter esse diálogo, entendem mas tarde de mais, por volta de final de setembro/meio de outubro. E, ai, é tarde de mais!
    Obrigada Manuela por essas bonitas e sentidas palavras, gostaria de ter sido eu a escrevê-las porque também as sinto.
    Ondina

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  3. Obrigada colega Manuela, traduziu muito bem o que todas nós já sentimos alguma vez... Mas continuamos a fazer e a dizer o que achamos certo e isso tem que ser importante :)

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  4. Entendo tão bem estas palavras, sinto-as como sendo minhas mas já aprendi que por mais que tentemos só podemos fazer uma parte, neste caso alertar, chamar a atenção, fundamentar porque a decisão está-nos vedada..e é isso que nos dói ainda mais quando sabemos que quem decide "fala" apenas outra linguagem que nos é "dificilmente compreensível"
    Obrigada pelas suas partilhas colega
    Gabriela

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Querida Manuela, obrigada mais uma vez por mais um texto maravilhoso que espelha o que muitas educadoras sentem. Eu todos os anos tenho muitas angustias sobre a transição de algumas das minhas crianças e este ano tenho uma menina condicional, que cada vez que penso nessa transição tenho tantas angústias! Já tentei de tudo com os E.E., mas eles disse que adiar por um ano é "impensável". Por isso foi tão bom ver espelhada no teu texto essa minha angústia. Será que posso utilizar partes do teu texto? Com a garantia de informar quem o escreveu, quando e onde.

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  7. Claro que pode utilizar o meu texto e indentificá-lo, pois. estas angustias pertencem a quem lida com meninos, meninas e familias. E eu, quero dizer que compreendo muitas das ideias das familias, no fundo espelham a forma como a sociedade, no seu todo, olha para a escola e o sucesso, As familias fazem o que acham ser melhor para os filhos e tudo se orienta no sentido de ser-se bom aluno e estudioso desde cedo. Teremos que ir tentando sempre fazer o nosso melhor. Obrigada pelo seu comentário!

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