Gosto do outono. A frescura das manhãs, o som da chuva na janela, os troncos molhados das árvores, os cestos coloridos da fruta no mercado, o cheiro de castanhas assadas a aquecer uma rua da cidade. E os casacos a abraçarem o corpo e o corpo a pedir sofá e um chávena de chá quente. E os telhados das casas molhados e os gatos a deslizarem, com preguiça.
Gosto do outono e dos bancos vazios do jardim, das folhas caídas no chão, em jeito de abandono e esquecimento, numa espécie de leveza perdida em qualquer sítio e hora. Gosto da paisagem a manchar-se de vermelho e laranja, castanhos dourados com pinceladas de lilás, às vezes, num esplendor sem fim de cores e formas. Gosto desta arte e deste encanto, desta beleza e quietude. Gosto deste tempo e deste recolhimento, desta melancolia mansa, deste deslizar sem pressa até ao pinheiro verde do natal.
Gosto dos fins de semana de outono e de livros por perto. Para tocar, ler e demorar-me em cada palavra como se de uma prece ou mistério se tratasse. Da estante tiros alguns, só um livro é pouco, e passeio-me por entre o silêncio, colorindo-o com os sons e os sentidos do outono.
Um dos que mais gosto diz assim
Vegetal e só
É outono, desprende-te de mim.
Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.
Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.
Devolve-me o rosto de um verão
sem a febre de tantos lábios,
sem nenhum rumor de lágrimas
nas pálpebras acesas.
Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.
Eugénio de Andrade (As palavras interditas)
Apesar de não gostar do outono (antecede o inverno e o frio e a chuva e deixamos para trás o maravilhoso verão), gosto muito do texto.
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