Uns chegam em correrias malucas, risos altos e gestos enérgicos, com as mães a protestar, porque fugiram delas. Outros, mais calados, franzem o sobrolho e encostam-se mais um pouco ao sono que trazem preso ao corpo. Outros, dizem bom dia e marcam a presença, compenetrados das suas obrigações. O inicio do acolhimento é assim, interativo e com uma forte relação dual, assente em olhares e trocas de coisas que vêm de casa, combinações de brincadeiras conjuntas, ameaças de nunca mais se ser amigo. E o plano do dia tem que esperar, porque há braços no ar e pedidos: posso falar de um problema?...Posso dizer uma coisa?...Quero falar. E paramos tudo e falamos que este desejo recentemente conquistado merece ser respeitado e valorizado. Para além do plano do dia, ou melhor, em favor do plano do dia, que necessita de meninos e meninas que saibam dizer-se e pensar-se.
E lá ficamos nós em conselho a ouvir-nos e sempre a dar atenção a quem está aflito, em lágrimas e em dores. Porque as sentem e as expressam. Eu tenho um problema, a minha mãe foi ter um bebé, no hospital, é o meu irmão...mas isso é um problema? o teu mano está bem?, digo eu. E ele responde do alto dos seus 4 anos...o problema é que a minha mãe não vive na minha casa. Eu tenho um problema...o meu irmão caiu e ficou ferido e foi para o hospital...Manela, a L. já não é minha amiga... Todos ouvem, todos comentam, todos querem falar.
É também pela manha que os colos são solicitados, fazendo fila junto dos adultos. Querem porque querem e ficam zangados quando não têm. Temos sempre que negociar, o que não é fácil e nem sempre justo para alguns. Nesta semana conversámos sobre os colos: porque querem colo os meninos? Porque se gosta de colo? Porque faz bem ao corpo e ao coração...Porque é bom, é miminho...Porque as mães não dão e nós depois pedimos...Porque assim, os outros já não nos batem...Porque gosto de ti... Concordámos todos que sim, o que diziam era verdade e que todas as pessoas precisam de colo e de amor. Mas que o amor e a amizade existem mesmo quando não se dá sempre colo, porque isso não é possível. E que tínhamos que saber dividir colos, fazer planos do dia, cumprir com o que combinámos, ouvir e tentar ser amorosos com os outros, disse a M. que também disse no outro dia, quando com ela tive uma longa conversa, assertiva e um pouco impaciente, gostei muito de falar contigo, M. gostei desta conversa... Vou pensar nisto muitas vezes. E sorriu e foi brincar.
E assim vamos nesta comunidade de gente que cresce a cada dia, entre colos e dedos no ar, para se dizerem. Fico maravilhada e incrédula com a rapidez da aprendizagem e a possibilidade de com palavras fazerem o exercicio da expressão dos seus sentimentos. Tenho a certeza que este é o caminho, aqui e agora, neste lugar, com estes meninos e meninas. Saibamos nós, apoiar estas manifestações e torná-las a coisa pedagógica inserida no currículo de trabalho. Para não espreitar, no final da semana, um certo incómodo, pelo que não foi cumprido na semana da alimentação saudável...
Tão bom!
ResponderEliminarO texto e a sua circunstância...
Mais uma vez, gostei muito, mas especialmente de: "Para além do plano do dia, ou melhor, em favor do plano do dia, que necessita de meninos e meninas que saibam dizer-se e pensar-se."
ResponderEliminarEsta frase é uma síntese fantástica.
Mais uma vez, gostei muito, mas especialmente de: "Para além do plano do dia, ou melhor, em favor do plano do dia, que necessita de meninos e meninas que saibam dizer-se e pensar-se."
ResponderEliminarEsta frase é uma síntese fantástica.