Um dia de sol, a seguir ao natal. A
casa em silêncio e a vontade de me encharcar de palavras, poesia e
textos. Percorro os livros que o pai natal me deu. Manuel Pina, Lobo
Antunes, Alice Munro.
Depois volto a Manoel de Barros,
que descobri há pouco tempo. Tão bonito e tão desafiador, poder-se assim
escrever sobre a vida, desconstruindo-a.
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios
Não gosto de palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros
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