sexta-feira, 9 de maio de 2014

Semana intensa

Sábado, mas de madrugada. Não tenho sono. Não é comum estar assim alerta, a estas horas, mas creio que é o cansaço da semana de trabalho que agora terminou. Não foi longa, porque foi rápida, mas foi intensa. Muito. Um corre corre sem parar, a vida toda a pedir coisas, ou eu assim a julgar. Mas se julgo, faço e quando faço, nem sempre resulta. Falo do trabalho na sala, com as crianças, esse espaço que abarca muito mais que isso. Porque a sala existe numa escola, e a escola numa comunidade e a comunidade numa freguesia e a freguesia numa cidade e...por aí fora. Vezes demais ficamos apenas na sala. E nas famílias, porque isso é indissociável, mesmo que pouco visivel ou transparente. Ou explicito, melhor dizendo. E é uma liberdade ou um sufoco. Assim, em antagonismo? assim, sem meio termo? Quase. Ou exagero? talvez, quem sabe, nunca fui mulher de meias tintas, portanto, educadora também não seria possivel ser.  Somos o que somos, ainda que sobre isso pensemos, tentanto tornar consciente, deixando vir à tona da água, os nossos sentimentos e verdades. Sem receio do que se possa sentir. E concluir. Sem fechar as contas, que estes balanços são diários e sabemos da importância da distância emocional justa, para melhor alcançar o balanço final certo. Certo? O mais certo e sério que formos capazes de fazer.

Tudo isto nesta madrugada a propósito de uma semana intensa. Hoje, disseram-me que eu era uma educadora muito exigente. A ideia vinha com um leve toque de critica, ainda que cheia de adjetivos de reconhecimento pelo trabalho que faço. Incomodei-me e surpreendi-me. O incómodo resultou de pensar que talvez não esteja a comunicar eficazmente com quem comigo partilha a intervenção com as crianças, a surpresa advém do meu sentimento de estar a fazer pouco para o grupo que me caiu nos braços e no colo, e que me agarram todos os dias pela bata, a pedir mimos e carinho. A pedir ajuda-me a controlar o corpo (creio que é o coração...), dás-me colo? posso ficar ao pé de ti? dás-me um abraço? E eu sinto os olhos, e as caras e os pensamentos dos outros a dizer que meninos estes, já deviam estar mais autónomos, mais atentos, mais calados, mais disciplinados... 

Se calhar já, vozes dentro de mim também assim o dizem, nos dias em que o quotidiano na sala, fica mais choroso, birrento, conflituoso. Ou nos dias em que disciplinadamente tento organizar uma outra dinâmica, mais crescida e menos infantil, mais de escolinha. Ou escola. Para não ser criticada, para corresponder ao que se espera de um professor. De uma educadora, porque de pequenino se torce o pepino Umas regras apertadas, começam no portão e estendem-se pelo recreio, e descem para o refeitório e introduzem-se nos combóios. E ficam espelhadas na cara dos adultos, que não se interrogam sobre o sentido de assim ser. O sentido do que se faz, nas inumeras horas em que nos confiam crianças. Fazemos o que fazemos, porquê? e para quê? E não nos podemos alhear ou esquecer de pensar sobre isto. Eu penso. E inquieto-me. E critico-me.

Talvez por isto os outros me chamem exigente.
Eu diria que sou apenas uma aprendiz, sempre assim me entendi, mas neste ano, com este grupo, isso tem uma força maior e um sentido pleno. E não há forma de ser de outra maneira.
Até porque acredito, como diz o poeta, que de pequenino se torce o destino. E a isso não posso, nem quero ser, indiferente.
Semana intensa...o melhor mesmo, é ir dormir...

3 comentários:

  1. E eu diria, Manuela, que é "apenas" uma profissional reflexiva, que procura pensar sobre o que faz, como o faz, porque o faz assim e se poderia fazê-lo de outra forma... de modo a obter melhores resultados com as crianças que lhe "caíram no colo" este ano.
    Todos nós educadores sentimos (penso eu), sentimos mais ou menos frequentemente, que não estamos a conseguir dar a melhor resposta ao nosso grupo/a uma ou noutra criança.
    A diferença é o que fazemos depois dessa constatação!
    Há quem continue o seu caminho, imperturbável, inquestionável, "cristalizado" no seu modo de fazer pedagógico e depois há os outros, como a Manuela (como eu também...) que pensam, (se) questionam, lêem, investigam, reviram noites a ponderar alternativas, partilham dúvidas e angústias com "amigos críticos", tentam dar respostas eficazes.
    Claro que nem sempre são compreendidos!
    Uns são considerados "exigentes" outros o oposto, porque "até nem fazem fichas"... ninguém pode agradar a todos.
    Cá por mim, se mantiver a minha consciência tranquila e souber fundamentar o que faço, posso bem com essas "críticas"... tenho a certeza que com a Manuela será igual. Bom descanso!

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  2. É mesmo bom "ouvi-la"! Cá por mim, também sempre me chegou a fundamentação e a consciência, tal como a Juca...mas este ano é diferente, é um ano de "prestar" contas do que valho, assim o dita o contexto e as circunstâncias...muito, mas muito especificas! Um dia, quem sabe,talvez possamos falar um pouco melhor de tudo isto...e que bem me saberia...Obrigada por me acompanhar, ainda que de longe. (e obrigada pelo bloguefólio, tão inspirador...

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  3. Também gostaria muito que um dia isso acontecesse Manuela!
    Beijinho e força para continuar essa missão e, simultâneamente, continuar a deliciar muitos de nós com a sua escrita.

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