sábado, 8 de dezembro de 2012

Pontuação

Não posso escrever sobre o que hoje sinto. É muito e por isso impossível de alinhar em palavras comuns e linhas direitas, porque muita coisa está torta e desalinhada e os meus pensamentos vagueiam inquietos. Saltitam, à procura de um poiso, um espaço sereno, uma síntese, um resumo, palavras chave que possam, à semelhança do que fazemos nos trabalhos científicos, traduzir o fundamental. Em forma de apresentação e remate.

Mas não há remate para o que hoje sinto. Nem ponto final, nem de exclamação.O que  abundam são os pontos de interrogação, safados, sempre prontos para terminarem as ideias e colocarem-se no final das frases e dos pensamentos, afastando os pontos finais e unindo-se às reticências. É uma união forte e feroz, não sei como abatê-los nem quebrar-lhes o hábito de aparecerem, quando distraída me passeio pelo passado e alimento o futuro. Até no presente se infiltram, estes auxiliares da pontuação. Auxiliares? "estorvos!", diria a minha avó Carmina, se tal lhe contasse. E diria também, com voz segura "não lhes dês confiança, deita já fora esses pedaços de interrogações e reticências que só atrapalham a vida. Vá!"

A ideia da minha avó seria dita assim, no imperativo e com ponto de exclamação e um certo olhar de censura, misturado com ternura e apoio. Não lhe sentiria os abraços, não era mulher de afetos efusivos, mas a sua confiança e determinação seriam hoje uma ajuda preciosa, para desembaraçar esta torrente de perguntas e duvidas. 

A minha avó tinha umas quantas superstições, lembro-me disso, davam-lhe um encanto místico, uma espécie de mistério e força interior. Atenta, parecia andar sempre a afastar os maus presságios e fazia-o com muita convicção. Um dia, tinha eu treze anos, íamos as duas de comboio e eu estava de mãos cruzadas, no colo, repetidamente a entrelaçar os dedos, num movimento de abrir e fechar. Ela ia quieta ao meu lado e de repente bateu-me nas mãos e disse: "Para lá com isso, ainda vais ensarilhar a tua vida toda". E eu parei. E nunca mais me esqueci disto. 

É por isso que nestes dias assim, precisava da sua presença para acabar com os pontos de interrogação e as reticências e colocar uns pontos finais onde fosse necessário. Com firmeza e sem hesitações.  

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