Quando o meu filho mais velho foi para o 1º ciclo, a escola foi inaugurada e iniciaram-se os tempos livres. Ainda não havia as AECs, há vinte anos a escola ainda não era a tempo inteiro. Os tempos livres funcionavam num unico espaço, o refeitório, com muitos meninos, de muitas idades, sob a orientação provisória de uma professora da escola, apenas durante duas horas e algumas auxiliares. No incio era um pouco confuso, as crianças não sabiam bem como e onde estar, o que fazer e os adultos também não. Mas uma coisa era certa, os meninos passavam muito tempo a fazer os trabalhos de casa, contra a vontade de ir brincar.
Falava-se na eventual constituição de uma associação de pais, mas a situação estava dificil de "arrancar". Como mãe e profissional interessada nas "coisas dos miudos" quando podia, ficava um pouco por lá, ajudando as auxiliares, brincando com as crianças, organizando o espaço, conversando.
Num dos dias quando entrei, já tarde, vi um menino, afogueado, cansado, com a cabeça em cima dos livros a tentar acabar uma conta. Sentei-me ao lado dele e comecei a ajudá-lo para ver se deixava de ter os olhos pregados nos outros, que andavam a correr, jogavam à bola no ginásio e entretinham-se com mil outras coisas...A conta estava dificil e entretanto o Rui, um outro menino de seis anos, sentou-se ao meu lado, a ver. Subitamente, perguntou
- Manela, isto é os tempos livres?
- Sim, Rui, são os tempos livres.
- Mas Manela, isto são mesmo os tempos livres?
Olhei para o Rui, parei e disse
- Rui, isto chamam-se atividades de tempos livres, depois da escola, onde os meninos brincam...
Sem me deixar terminar, disse rápido
- Oh Manela, se isto são os tempos livres, o que são os tempos presos?
Juro que dei uma grande gargalhada e um abraço ao Rui. E decidi nesse momento que ia dinamizar a constituição de uma associação de pais, para tentar, em colaboração com a escola, fazer daquele espaço um centro de tempos livres. O processo não foi fácil, mas com o tempo tudo mudou, muitos pais integraram a associação e colaboraram na organização e desenvolvimento daqueles tempos livres. Em muitas reuniões fomos discutindo o sentido e a função daquele espaço, mobilizando a participação dos meninos e das auxilaires que viraram umas profissionais com uma competência extraordinária, lembro-me delas até hoje. Permaneci na associação onze anos - o meu filho mais novo também andou nessa escola - sempre a tentar que os tempos livres não fossem presos. Com o envolvimento de todos, sei que a maior parte dos dias se conseguiu.
Não sei é se agradeci convenientemente ao Rui aquela chamada de atenção que até hoje me orienta, quando estou com os meus meninos. Tempo livre ou tempo preso?
Olá Manela
ResponderEliminarEstou a deixar um comentário neste texto...mas podia deixar noutro qualquer, porque apenas te quero deixar os meus parabens por teres criado este espaço de partilha dos teus pensamentos, das tuas quesões, sobre a vida, sobre os que te rodeiam, sobre os que te são queridos...
Continua...olha que já tens vários leitores atentos aos teus "escritos"...
bjs
Teresa
Obrigada, Teresa. Esta coisa de escrever num blog nem sempre é coisa fácil, há uma relação estranha entre o publico e o privado. Às vezes pergunto-me se há exposiçaõ demais... Mas também acho que o que escrevo, pelo menos nos textos mais intimistas, digamos assim, deve acontecer também a muitos comuns dos mortais...falo apenas da vida e a vida é o que acontece a todos, não é?
ResponderEliminarAinda bem que gostas e que outros também possam gostar.
Abraços. Ah e foi importante ter recebido o teu comnetário!