Tenho uma leve nostalgia dentro de mim. É coisa pouca, mas insinua-se, de mansinho, num vai e vem permanente, tolda-me a razão e alerta-me os sentidos, brincando comigo, neste fim de tarde de apreciar saudades. E, no entanto, é maio, o mês das flores, papoilas vermelhas a alegrar os campos, raios de sol a descansar no mar, gatos preguiçosos a espreitar nas janelas. E crianças, muitas crianças a brincarem na berma da estrada, esperam os campos de trigo para correrem desenfreadas em busca do verão que está a chegar.
E, no entanto, é maio, o mês em que nasci de ti, tu deitada na cama do quarto que durante anos me cheirou à nossa vida, na casa que a avó tinha como sua, entre o cheiro do café e das espigas do mês de agosto. Eras jovem e eu uma menina pequena, de bibe e sandálias brancas e lembro-me dos teus olhos e das tuas mãos, a ajeitar os laços do bibe e o cabelo, para ficar direitinha e composta, como uma menina. Agora já não sou.
Agora já cresci, já estou muito grande e em marcha certa para a idade que tinhas quando partiste. Procuro-te, quando me penso e desfio o novelo dos meus anos. Apareces-me sem que te chame e aninho-me na tua memória e na falta que fazes. Já não tenho bibe nem laços para ajeitar, mas as gavetas estão com meias desarrumadas, mãe, poderias vir dobrá-las e ficar em conversa amena, sentada na beira da cama, a espreitar o cair da noite, para fechar as janelas e descansar.
E, no entanto, é maio, continuo a gostar tanto deste mês, em que me deste para o mundo e para a vida, um mês doce e forte, pintado de vermelho, salpicado de flores e liberdade, um mês a desaguar no calor do verão como um rio fresco, que se junta ao mar. Um mês de encantos e poesia, revolução e alegria.
Um mês certo para nascer, mãe, apesar da nostalgia que às vezes me invade o corpo e os pensamentos, como hoje. Mas isso não tira a beleza nem o encanto a maio.
Continuo a gostar tanto deste mês. Obrigada mãe.
Também eu
Também eu, também eu,
joguei às escondidas, fiz baloiços,
tive bolas, berlindes, papagaios,
automóveis de corda, cavalinhos…
Depois cresci,
tornei-me do tamanho que hoje tenho;
os brinquedos perdi-os, os meus bibes
deixaram de servir-me.
Mas nem tudo se foi;
ficou-me, dos tempos de menino,
esta alegria ingénua
perante as coisas novas
e esta vontade de brincar.
Sebastião da Gama
Adorei, obrigada
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