Neste fim de tarde de sábado a minha rua está calma e as flores no meu jardim têm gotas de água nas pétalas. Choveu e uma estranha paz invadiu a paisagem em redor, deixando tudo liberto de ruído e agitação. O domingo aproxima-se a passos largos e por aqui descansa-se o corpo do cansaço da primeira semana de vida na escola. Entre risos, rostos expectantes, lágrimas e medos, lá fizemos a nossa entrada, observando com olhar atento o ambiente da sala, as rotinas, propostas e tudo o que ia acontecendo, enquanto se acalmava o desconforto da ausência do(s) seu(s) aconchego(s). Umas lágrimas, pedidos de colo e abraços, liberdade para correr e rir, alegria por amassar e moldar, desenhar, pintar.
Os dias foram intensos e exploratórios, curtos para alguns meninos, longos para outros. Mas pelo andar da carruagem diria que os nossos príncipes e princesas gostaram do novo reino em que se instalaram de corpo inteiro, como sempre fazem e é da sua condição. Uns mais que outros, pois, que somos todos diferentes ainda que todos iguais. Por mim, andei num virote e a equipa também, para atender a tanta solicitação e a tanta(s) infância(s). Também expectante, com alguns receios e cheia de mil cuidados, entre senti-los frágeis e fortes, calmos e ruidosos, a estabelecer os primeiros laços com outros, grandes e pequenos. No final da semana, o mais novo, que ainda não tem três anos, levantou o braço e falou, na reunião de avaliação. Falou com voz muito baixa, não ouvimos tudo, mas pudemos entender mãe, pai e ecola. Ajudámos e traduzimos e eu maravilhei-me pelo sentido da sua participação ao redor da mesa grande. Por aqui começa a construção do sentido de ser pertença de um grupo e do exercício da cidadania.
Nesta semana, que correu veloz, inundou-me o desejo de ter tempo para dar tempo aos meninos e meninas e contrariar a lógica da produção a peso. A vontade que possa e saiba resguardar-me da corrida ao currículo, presa das aprendizagens que tenho que proporcionar para o sucesso escolar. A todo o custo e a todo o vapor. Nesta semana o desejo de ser como o caracol, andar com vagar e em cima de ervas fresquinhas. Com os olhos, em antenas, a ver o mundo.
Aprendendo com tempo e calma. Para que todos tenham calma e tempo para aprender. Uma aprendizagem com sentido, conjugada na primeira pessoa do singular e do plural do presente do indicativo.
Relembro um texto que li. Aqui fica um excerto.
“A percepção das crianças
enquanto Outros é o reconhecimento destas enquanto sujeitos singulares
que são completos em si mesmos; pertencentes a um tempo/espaço geográfico,
histórico, social, cultural que consolida uma sociedade especifica, onde
meninos e meninas de pouca idades são simultaneamente detentores e criadores de
história e cultura, com singularidades em relação ao adulto (Gobbi e Leite,
1999). Sujeitos de pouca idade sim, mas que lutam através dos seus desenhos,
gestos, movimentos, histórias fantásticas, danças, imaginação, falas,
brincadeiras, sorrisos, caretas, choros, apegos e desapegos e outras tantas
formas de ser e de se expressar pela emancipação da sua condição de silêncio.
Condição que lhes foi imposta segundo uma visão adultocêntrica, engendrada no
caminho histórico- social trilhado pela humanidade e que, em alguns casos, insiste
em reinar nos mais diversos contextos contemporâneos vividos pelas crianças”
Alessandra Mara R. Oliveira (2004), “Entender o
outro (...) exige mais, quando o Outro é uma Criança: Reflexões em torno da
Alteridade da Infância no Contexto da Educação Infantil” in Manuel Jacinto Sarmento e Ana Beatriz Cerisara
(Org.) Crianças e Miúdos Perspectivas sociopedagógicas da infância e
educação. Porto. Edições ASA, pp 181-200
Obrigada pela partilha de tão belo texto...como sempre. Revi-me em tudo o que escreveu, e não consigo deixar de reforçar isto: " Nesta semana, que correu veloz, inundou-me o desejo de ter tempo para dar tempo aos meninos e meninas e contrariar a lógica da produção a peso.", e ainda : "Aprendendo com tempo e calma. Para que todos tenham calma e tempo para aprender. Uma aprendizagem com sentido, conjugada na primeira pessoa do singular e do plural do presente do indicativo."
ResponderEliminarContinuação de bom trabalho...e boas partilhas.
Rosa Maria Alves
Muito obrigada Rosa, pelo seu comentário. sinto-me sempre mais acompanhada quando me devolvem o que pensam e sentem os que me lêem. Porque educar não é tarefa fácil, a partilha e as conversas entre colegas e amigas, ajudam-nos a prosseguir viagem. E para mim que estou em lugar unico, isso é muito bom. Bom trabalho também.
ResponderEliminarO texto descreve na perfeição "o cansaço da primeira semana", " andar num virote", " andar como o caracol" ... Parabéns e obrigada por escrever e partilhar.
ResponderEliminarLeonor