quinta-feira, 10 de abril de 2014

Para além das palavras

Desde cedo me deslumbrei pelas palavras, ditas, escritas, inventadas. Um paixão assumida, ainda que discretamente, um pouco a medo, na intimidade do meu tempo e dos meus sonhos. As palavras a namorarem-me de mansinho, a acertarem com os estados de alma, às vezes a sairem em correntes de água brava, loucas de fúria, outros dias a transformarem-se em mantos calmos de lagoas esquecidas. As palavras desde a infância, companheiras de solidão na juventude, suporte de mimo no nascer dos filhos, rede de entendimento na maturidade dos anos. As palavras como continuidade e rasto de corpo, pensamento e emoção.   

As palavras dentro dos livros que outros escreveram, eu a procurá-las, a esbarrar nelas com surpresa e encantamento, sentir-lhes a beleza e a identidade.
Eu quase morta de espanto, por outros saberem colocar em linha as ideias mais claras, felizes e belas, autónomas e autênticas. Eu a pensar nesta forma de arte, que compõe e alisa, renova e oferece, perdura, liberta e enlaça.
Eu a ler títulos de obras e a ficar emocionada com a inteligência, a criatividade, o engenho, a quase perfeição.
Eu a espreitar livros e a desbravar mistérios, a perder-me noutros mundos, a vestir-me de novas paisagens. Eu a olhar pela janela e a querer correr mundo, escrever um livro, relatar vidas, prosseguir metáforas. Belas, como as do carteiro de Pablo Neruda. 

E no entanto, nunca o fiz. Nunca fui capaz de escrever um livro, ainda que de bolso e edição caseira, sem pretenções, nem escaparates. Escrever um livro, fazer-me escritora, ainda que pequena, ainda que apenas por uma vez, apenas para mim. Para dar forma a este sonho e a esta consumição de tanto querer e tanto amar.

Mas eu sei que não chega gostar de palavras e delas fazer manto, mesa e pão. Não chega gostar de escrever e vigiar a chegada da inspiração, para apanhar a onda e escorregar nas ideias até morrer na praia. 

É preciso, de certeza, uma dose imensa de trabalho, inquietação, persistência, silêncio, concentração no propósito. E talento, muito talento.
 Não tenho reunidas em mim, a maior parte destas qualidades. E tenho pena. Gosto tanto de palavras, gosto tanto de escrever. Mas um livro, não sei fazer.              

5 comentários:

  1. Eu acho que devia tentar Manuela... ao que tenho lido aqui, penso que tem em si o que faz falta para encantar outros com as suas palavras, em forma de livro!

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  2. obrigada Juca, muito obrigada pelo apoio e reconhecimento...e já agora obrigada pelo bloguefólio que consulto regularmente e que me ajuda tanto na minha prática pedagógica. Mesmo muito, nem sabe quanto!
    abraço e boa páscoa

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  3. Fiquei muito contente por sabê-lo Manuela, mesmo, nem sabe quanto!
    ;-)
    Um grande beijinho e boa Páscoa.
    Continue a encantar-me (nos) com as suas palavras...

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  4. OH! Manelita! Quem como tu fazes malabarimos mágicos com as palavras, os pensamentos e sentimentos escrever um livro é canja! Porque não juntares todos os teus textos deste blog e publicares em papel! Sei que será um projecto sempre inacabado devido ao tanto que tens para partilhar...Que te parece esse desafio?

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  5. belo desafio, sim, mas parece que as minhas escritas são muito intimistas e que por esse motivo, não importarão a muita gente...não me estou a fazer "cara" é mesmo isto que penso...mas obrigada pelo teu apoio..bjs grandes

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