Manhã cedo. Sábado.
Saí de casa como sempre, para comprar o jornal e tomar café. Eterno ritual que me pacifica e me ajuda a respirar. Uma ligeira neblina cobre o dia, fresco e tranquilo. Percorro as ruas silenciosas, deambulo pelos meus pensamentos, faço listas de memórias e saudades bonitas.
É abril, vai ser páscoa e os ovos de chocolate e as amêndoas piscam-nos os olhos em tentações doces. O verão aproxima-se a passos largos, o tempo corre ligeiro sem perdir licença e nós que do relógio muitas vezes somos escravos, ficamos surpreendidos com tanta velocidade. Não o conseguimos deter.
E às vezes era necessário. Sentarmo-nos de baixo de uma árvore, descansar os olhos numa paisagem, abrir um livro e ler um poema.
Isso já fiz hoje.
Ausência
Por muito
tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo'
Este sábado está assim. Livre de obrigações e pleno de tempo. Para nos enchermos de nós. Plenamente.
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