sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sexta-feira

Sexta-feira. Vem aí o fim de semana. Não, não está completamente livre de trabalho, amanha temos ocupação, mas é por uma boa causa. Não protestemos.

Sexta-feira, dia de lançar a mala das coisas da escola para perto da secretária, no sótão, ainda que seja por pouco tempo. Fica tudo um pouco esquecido, meio de molho, para libertarmos o corpo e o coração dos imenso(s) cansaço(s) de trabalhar e viver com pessoas, crianças e adultos. Sempre no mesmo espaço. Precisamos de restaurar o pensamento e as ideias e desligar. Se for possível. Ler um jornal, ver televisão, fazer uma caminhada, ver o mar, escrever. Pensar em nós, ficar em primeiro lugar. É por pouco tempo, mas é necessário e vital para começar de novo, como diz a canção.

Eu sei, de novo nunca se começa. Já fizemos história e enredos, já tatuámos impressões e imagens, já dissemos palavras e ideias, já estabelecemos propósitos, já errámos, já fomos e viemos, já nos enternecemos e zangámos. Já nos comprometemos com vinte e cinco crianças e suas famílias. Já não há retorno para o que somos e fazemos.

Mas precisamos de parar, para oxigenar a emoção e o combate diário. Um combate sim, contra a exclusão, a desconfiança, o medo, os ataques primários de quem sendo muito novo, andou na escola e não lhe esqueceu a dureza e a agressão. Falo de famílias, que reproduzem a sua história de infância na história dos filhos. E desconfiam de mimos e palavras doces. E de educadoras que não conhecem. 

Criar laços de confiança, em algumas comunidades, exige um posicionamento lúcido, atento e disponível dos profissionais. Exige capacidade para acreditar que só o tempo transforma relações de distância e desconfiança em laços de comunicação e parceria. Até lá, o nosso olhar tem que ser perspicaz, competente nas suas leituras e ilações, sereno e persistente. E humilde, porque apesar de tudo o que sabemos a realidade é sempre um dado a escutar e a compreender. Com toda a informação e formação de que formos capazes. Uma leitura quase sociológica do que nos envolve, para podermos ficar livres das rasteirinhas do senso comum. Ser profissional é outra coisa, é saber identificar para atuar, propondo espaços de desenvolvimento, numa perpetiva ecológica. 

Apesar destas competências, se as tivermos, saibamos lidar com o imprevisível. E saibamos fazer-lhe face, com o máximo de serenidade e convicção. Hoje, sexta-feira foi assim. Ganhámos uma luta e uma causa. Não será definitiva, mas aceitemos a lonjura do caminho.

Por isto tudo, o cansaço é muito. Dói o corpo de tanta emoção, controle e desocultação de alguns sentidos. Por isso é preciso desligar e ir ler o jornal. E por creme na cara e dar um jeito ao cabelo. Há quanto tempo não cuidamos de nós?

P.S. - Tenho inveja do meu filho mais novo, está em Paris. Era lá que queria estar. Andar pelas ruas, ver o Sena, ir a Montparnasse, sentir-me uma Simone de Beauvoir com as devidas diferenças. Mas fico-me por cá. Em descanso. Pelo menos por esta noite.       

3 comentários:

  1. Mais um texto para concordar e partilhar.
    Porque o que a Manuela escreve deve ser lido por muitos de nós!

    Bom descanso...

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  2. É tão bom ler o que escreve, (e como escreve).Senti o mesmo! Mas é difícil desligar...quando o trabalho de casa é tanto, e estamos comprometidos com muito.Como a Manuela, preferia estar em Paris . ..passear pelas ruas com a minha filha,(que também lá está) ver o Sena, ir ao Louvre, perder-me por Montmartre. Como a Manuela, fico-me por cá, a preparar várias reuniões e não só! O descanso será pouco. Bom fim de semana.

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