Da janela da varanda posso ver o mar. Sereno e grande, largo, em tons de cinzento, porque hoje o sol está envergonhado. O mar ao longe parece uma esteira grande onde nos podemos deitar e descansar, a céu aberto.
Percorro a manhã lentamente. Detenho-me em coisas de nada, tenho o coração um pouco vazio, trémulo, meio perdido. Mastigo a noticia triste que uma amiga deu, a vida nem sempre se aceita. A vida tem surpresas que doem e a amizade faz com que sejam nossas as dores de outros. Fico quieta no sofá, olho vezes sem conta a meia lua da água ao longe, quero convocá-la para uma manhã mais fácil e menos introspetiva. Está quase a chegar o fim do ano, mas ainda é cedo para rever as contas, conferir ganhos e perdas, acertar o crédito para o futuro. Deixemos a contabilização do stock para mais tarde. Não faltarão oportunidades.

Libertos dessa exigente competência, de que fazemos uso todos os dias com maior ou menor sucesso, podemos, nestes dias finais de dezembro, rever a nossa intervenção, avaliá-la e projetar o que sonhamos e queremos fazer com as crianças e para elas. Ideias gerais a partilhar em janeiro, para que as crianças possam dar contibutos para a definição do agir diário. A pedagogia da participação é isto, o direito a ter voz no quotidiano. Nada fácil, uma lição ainda a aprender por parte da escola e da(s) comunidade(s).
Por isso, tenho o computador ligado e o tempo disponivel. Hoje ensaia-se a análise do tempo de ser educadora, nesta nova comunidade. Um desafio imenso, surpreendente, apesar de 34 anos de serviço. Registo, por escrito o que observei e vivi, confirmando na primeira pessoa do singular, o que li e aprendi nos livros e nos processos de auto e hetero formação em que me envolvi ao longo dos anos. Nesta comunidade a educação de infância produz e reproduz muitas das fragilidades que estão descritas e estudadas na literatura da especialidade e nas experiências que muitos profissionais conhecem, em diferentes contextos. Descobrir e devolver aos atores mais diretos, familias e colegas, as suas potencialidades é o meu desafio. Tarefa de monta, que não se faz individualmente, mas com equipas coesas e linguagens comuns. Outro desafio, não menos importante. Por isso não gosto de trabalhar sózinha, sem o apoio de outras educadoras e é assim que estou. Pobre, de alguma forma, sem visões diferenciadas que ajudem a fazer adequadamente o diagnóstico e a definir estratégias mobilizadoras de mudança. Porque é urgente mudar a conceção de escola, educação, aprendizagem e desenvolvimento das crianças. E já agora dos adultos, profissionais e famílias.
Por isso, tenho o computador ligado, mas adio a tarefa. É exigente. Apesar de não ter as vozes dos meninos e meninas, sinto-as dentro de mim. Lembro-me deles e tenho saudades, em alguns casos, preocupação. Como estarão? como terá sido o natal em casa? como irão chegar?
Por isso, tenho o computador ligado e comecei pela escrita no blog. E sem dar conta vim ter às crianças e à minha profissão, depois de começar pelo mar e pela tristeza da noticia que recebi, ontem à noite. Não podemos facilmente fugir de quem somos e do que fazemos. Relembro o meu professor António Nóvoa "a pessoa é o profissional e em cada pofissional há uma pessoa".
Já comecei a minha reflexão. Vou continuar a fazê-la nos meus documentos.
Olá Manuela. Que estes dias tragam a serenidade necessária para poder avaliar a sua intervenção mas que tragam também a serenidade de saber que faz aquilo que lhe é possível fazer. Está sozinha naquela escola ( conheço o contexto ) mas pode contar connosco para debatermos ideias, possíveis soluções ou simplesmente beber um café.
ResponderEliminarUm abraço forte,
Sandra Cardoso
Muito obrigada, Sandra, pelo comentário e pela disponibilidade. Irei aceitar...debater ideias e soluções, misturadas com café e gente disponivel e amiga, é o que mais gosto de fazer.
ResponderEliminarBoas entradas!
manela
Porque os que sentem a Educação de infância como a Manuela demonstra sentir, não despem a profissão quando tiram a bata... porque a profissão é, também, a pessoa que somos.
ResponderEliminarQuanto à Pedagogia da Participação, estamos em sintonia e sei como fazem falta outras como nós para não nos sentirmos sós!
Boas reflexões, como esta, bom final de ano e uma renovada esperança e energia para 2014
Beijinho