quarta-feira, 6 de março de 2013

Noite de inverno

Noite de Inverno, embora a primavera se aproxime a passos largos. Consigo vê-la  nas pequenas flores que desabrocham nas árvores da rua por onde passo todo os dias, pela manha. Mas neste momento está escondida, o vento sopra, a chuva cai e é de noite. Ainda é inverno.
Tenho uma casa. E dentro da casa, gente que vive comigo. Já se foram deitar, são jovens e pesa-lhes os dias, hoje querem a noite para dormir e descansar. Tenho uma casa que não deixa entrar o frio. Nela me aqueço, me recolho e refugio-me da rua e do mundo, quando quero e posso. Abro a porta e entro e encontro na casa o meu espaço e uma parte da minha identidade. Dentro da minha casa estou eu e os meus, em horas de companhia, conversas, pensamentos, almoços e jantares, sonos e vigílias,  discórdias e consensos, laços de pertença e lonjura.

Na minha casa estão quilómetros de caminhos, anos que se sentem pelo crescimento dos filhos, agora são homens e já se deslocam de outra forma, entram e saem sem necessitarem de me dar a mão, a autonomia já não se descreve com os parâmetros da infância, cresceram depressa e muito.

Tenho uma casa e por isso posso proteger-me do frio, da chuva gelada e do escuro da noite, sem ficar assustada. E posso percorrer os objetos que nela fui dispondo e que estão cheios de histórias. Posso demorar-me neles e sentir as raízes com que construi o tempo vivido. Deito-me na cama, aconchego a roupa e leio poesia e sinto-me bem. Revejo-me e encontro-me. Fico cheia de mim e dos meus e do nosso tempo e da nossa vida. Tal qual ela é. Plena, inquietante, feliz e imprevisível. Às vezes difícil. Surpreendentemente.

Tenho uma casa que é muito mais do que paredes e janelas, é um espaço de vida, real e simbólico, feito de teias, laços e nós que se entrelaçam dentro dela e que permanecem esteira para os dias claros e as noites escuras. Como esta.   

E assim, com tanta chuva, como fazem os que não têm casa? como se aconchegam e se sentem eles e se encostam no que construíram? como se agarram às suas raízes? como se entendem como gente? que objetos tocam e desnudam? Para lá do frio do corpo, onde fica o frio da alma?
Foi isto que pensei hoje, quando vim desligar o computador, senti a chuva a bater forte na janela do sótão e escutei o silêncio da minha casa. E escrevi estas palavras, sem qualquer ponta de poesia. Ela não aquece, quem, em noites como esta, tem por casa um bocado de rua descoberta.

1 comentário:

  1. Conheço essa casa; eu própria já nela me abriguei das tempestades da minha alma, serenamente...
    Abençoada a desejo.

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