Cresci atenta às mulheres, aquelas que viviam na minha casa e em redor dela. Lembro-me de lhes procurar-lhes o rosto e o riso, medir-lhes os gestos e os movimentos, espiar os seus recatos e segredos. De soslaio, ao disfarce, como mandava a cultura da casa e o tempo de então. Nada de ser curiosa e atrevida, menina pequena, comporte-se! E eu comportava-me. Por fora, claro, insurgindo-me por dentro, a par e passo com os mundos que pressentia existirem dentro das mulheres.
Gostava de as ver paradas ao portão, saias de fazenda e avental, cestos de fruta ou sacos de milho na mão, trocando ideias em meias palavras, uma especie de código feminino, coisas que não entendia, mas pressentia importantes para o entendimento e a resolução da vida. E andavam sempre a resolver tudo: as coisas das crianças, a escolha dos feijões na eira, o cultivo dos legumes, a companhia à vizinha, a quermesse na igreja, a arrumação da casa na Páscoa. Iam à missa, rezavam pelos presentes e ausentes, pediam pela felicidade de todos. Eu ouvia, em silêncio e juro que achava que Deus as ouvia melhor que a qualquer outra pessoa, pela convicção e pela força que punham nas preces.
Gostava de as ver na loja, a comprar o pão e o vinho, e a dona a despachar fregueses aborrecidos, danada de empenho e desenvoltura e depois rindo de satisfação e afeto, eram uma pequena família, com rituais construídos no tempo e aceites, apesar dos protestos.
Era também na loja que conversavam sobre os novos chegados à terra, filhos desavindos e outras coisas secretas e intímas, de bebés por nascer, homens infiéis e mulheres que se perdiam na vida, por amor e loucura. Comentavam e opinavam e faziam as suas leis, seguras e afirmadas e com elas nos educavam, entre obediência e liberdade. Porque a tinham, por mais que nem sempre dela fizessem uso. Ainda que nem todas.
Algumas permaneciam na casa da costura, em silêncio, a fazer roupa para meninos estudantes e a remendar as calças rotas, ouvia-se o barulho da máquina e sentia-se o cheiro do ferro a brasas para engomar as peças acabadas de fazer. Muitas linhas no chão, o calor dos tecidos, outras mulheres que vinham e se sentavam, em conversas amenas, como o correr das tardes. Tardes longas, entre bainhas e bibes com laços, alguma dureza imposta pela solidão, estavam sós a cuidar da vida, a costura como único ganha pão, os homens tinham partido impondo uma viuvez precoce.
Mulheres de escuro, escondiam as peras debaixo da cama para as amadurecer e comiam sardinhas fresquinhas do nosso mar. Austeras, ouvia-as rir em algums momentos à noite, discretas e contidas, mas com os olhos brilhantes de afeto e sonhos. A liberdade a passar por lá e elas, num gesto de rebeldia, a gracejar com a vida e o destino. Achava-as valentes e corajosas. E eram.
Por isso neste dia, relembro-as a todas com afeto. Vem deste tempo de menina, a minha enorme admiração por estas mulheres, que conheci e o reconhecimento da sua importância na minha vida. Como mulher.
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