Ao fim da tarde, no regresso a casa, por entre a multidão, senti falta do meu caderno. O caderno das minhas escritas que guardo no sótão e onde, em alguns dias, escrevo. Sempre tive cadernos e sempre gostei muito deles. Primeiro os da escola, comprados porque a professora mandava, onde fazia os deveres e onde as redações eram uma das tarefas prediletas, contra a surpresa e o protesto das colegas, que não entendiam tamanho gosto. Mas era assim, um prazer imenso, encher as linhas de palavras, à procura da maneira mais bonita de falar da primavera. O tema era imposto, claro, mas com sete anos eu sentia-me dona e senhora do sol e das flores, pela possibilidade de as descrever no caderno.
Mais crescida, na adolescência, tive um diário, branco, com uma chave dourada, que o meu irmão me deu. Encantei-me com tudo, principalmente com a possibilidade de o fechar, trancando no seu interior as minhas palavras, secretas e impróprias para outros lerem. Não por causa da caligrafia, bem entendido, mas sobretudo pela liberdade com que alinhavava as emoções e os segredos de menina a crescer.
Quando me tornei educadora, o caderno foi material obrigatório por opção e estratégia de registo das aventuras vividas na sala, um apoio e um conforto para me aguentar com lucidez e entusiasmo na profissão. Desafio tremendo, o medo de falhar, de não ser capaz, a escrita como ponte para o sentido pedagógico. Guardei-os até muito tarde, gostava de reencontrar a jovem educadora que fui.
E por aí continuei, sempre com cadernos e escritas, que o papel é um rio claro onde podemos navegar sem receio e a água uma benção tremenda para aquietar a alma. Muitos cadernos me acolheram e me revelaram, de mim para mim, em diálogos intensos e onde, com muitas palavras, fui dando corpo ao que sou, penso, desejo e recuso. Em todas as dimensões da vida.
Gosto de cadernos e sempre gostei. Fazem-me falta, gosto do cheiro, da cor das folhas, da letra meia descomposta, dos textos inacabados, das palavras rasuradas, dos papéis que ficam lá dentro, do marcador que assinala a página onde ficámos. Mantenho este lado de escrita de infância.
O caderno...Já não se usa muito, eu sei, agora é mais fácil e adequado escrever no computador, mas eu mantenho este gosto e este compromisso. Ou melhor esta necessidade. E se estivesse agora a escrever no meu caderno, o texto não seria este. Este é um texto de computador. Os textos do caderno são diferentes. São apenas para mim.
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