sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Segurar os filhos pelos calções

Em cima do escadote, a filha alongava o corpo e a energia para colocar o estore na janela. Rodava a cabeça, espreitava para o caixilho, observava o material, acertava estratégias e pontos de vista, discutindo-as com os que por ali estavam. O pai, em justo apoio, pés no chão e olhos ao alto, segurava-a pela presilha dos calções, mostrando, disfarçadamente, o ceticismo com que olhava para o sucesso da iniciativa. Algumas opiniões contrárias, chamadas de atenção técnicas, misturada com a paciência de dar tempo às tentativas e erros. E sem nunca largar a presilha dos calções.

Imagem relacionadaFiquei a vê-los, ela jovem, bonita e assertiva, pouco dada a mandar a tolha ao chão, capaz de teimar e levar a tarefa a bom porto, assim pensa e para isso se esforça. O pai, mestre da arte de pensar e fazer bem as coisas com que se edifica uma casa e uma família. Ali estavam, em acertos que iam e vinham, ligados pelos afetos de uma vida e sem nunca largar a presilha dos calções.

Fiquei a vê-los e a admirar esta relação e esta cumplicidade, trocada em vozes altas, com opiniões e contraditórios, tão ao jeito de quem se escuta, se respeita e se ampara. Discordar e anuir, propor e confrontar, esperar e apoiar. Com tempo para a experiência e o ver para crer, fundamental na aprendizagem e na vida. 

E pensei que é assim que fazemos com os filhos, enquanto crescem e para sempre: deixá-los subir até ao lugar que querem, espreitando os perigos dos escadotes e dos tombos, dando tempo para que experimentem, na primeira pessoa, as circunstâncias e os constrangimentos. Para que possam ser autores dos seus sonhos e senhores da sua vida. Sem nunca largar a presilha dos calções...


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