Um vento morno anda pelo ar, algumas folhas voam leves pela manhã, do sol resta-nos um pouco de luz a compor o dia de primavera. Algumas raízes permanecem no chão, a lembrar que somos o que fomos e mais o que há-de vir, podemos alcançar a lua, mas sabemos não ser fácil libertar o corpo para dançar com as estrelas no topo do céu.
Entretanto, arrumamos a casa e algumas palavras, abrimos gavetas para arejar saudades e apaziguar o desejo de infinito.
Procuramos o poema e deixamo-lo aqui ficar. Queremos-nos irmanar com a beleza do mundo e comungar de outras palavras.
As nossas, hoje, não chegam para sonhar madrugadas.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor
que te procuram.
Helberto Helder
(excerto do poema "Tríptico")
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