A minha tia Maria partiu ontem.
Era a ultima irmã do meu pai e foi embora sem se lembrar de nós, a memória
pregou-lhe uma partida no final da sua longa e boa vida. Apear desta ausência
que a doença impôs, sei que nos levou a todos dentro dela, porque era uma
mulher de peito grande e oração quente. E riso aberto, a sua última fotografia
mostrava um ar de menina doce, rosto suave e olhos sorridentes. Apesar dos seus
quase noventa anos.
Lembro-me do seu andar, ligeiro e
rápido, cabeça levantada e o corpo deitado para trás, um pouco em arco, como se
não tivesse medo de nada e tudo tivesse solução. E tinha. Resolveu, com a
destreza certa, todos os nós e laços que a vida lhe deu, uns muito apertados e
seguros, outros mais deslaçados, a precisarem de mãos competentes e seguras.
Mãe de quatro filhos, avó de oito netos, bisa de cinco bisnetos, amava a sua
família e era uma espécie de matriarca, a falar alto e a compor os dias, para
cá e para lá, numa labuta constante.
Costumava vê-la durante o verão,
uma visita que se impunha desde menina. A casa dela cheirava sempre a café e o
convite era certo, vamos beber café com
leite. Sabia pela vida. E pela vida sabia também, o olhar que me oferecia,
cheio de cumplicidade de quem conhecia e conhecendo-me, sabia ser apoiante e
discreta.
Cunhada da minha mãe, foi sua
ouvinte e conselheira, num tempo em que a vida parecia estar contra a maré. Mulher
da terra da ria e dos barcos, pegava nas palavras e compunha remos e outros utensílios
para ajudar na faina da vida. Agradeço a amizade e companhia que sempre lhe
deu, nas quintas-feiras da praça, onde ir à sua casa era paragem obrigatória.
E agradeço o café com leite e a
recordação desse cheiro e desse sabor. Nunca mais bebi outro igual, a não ser
em casa da sua filha mais velha, a minha prima Dulce. Uma espécie de legado
familiar e uma espécie de ritual de afeto, que me aconchega o corpo e o
coração. Ainda hoje.
Neste dia da mulher, agradeço-lhe
ter feito parte da minha vida e da minha família. Agradeço-lhe o riso, a
alegria e o sentimento que dela guardei desde menina: as mulheres são fortes e
são capazes de resolver quase tudo. Apesar de já ser adulta, persisto nesta
ideia que alimenta os dias e as horas do meu tempo.
Obrigada tia Maria. E em sua
memória, obrigada a todas as mulheres que fazem a vida andar em sentido
ascendente. Com risos, palavras, afetos. Sem arrepiar caminho.
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