domingo, 8 de março de 2015

Para a minha tia Maria



A minha tia Maria partiu ontem. Era a ultima irmã do meu pai e foi embora sem se lembrar de nós, a memória pregou-lhe uma partida no final da sua longa e boa vida. Apear desta ausência que a doença impôs, sei que nos levou a todos dentro dela, porque era uma mulher de peito grande e oração quente. E riso aberto, a sua última fotografia mostrava um ar de menina doce, rosto suave e olhos sorridentes. Apesar dos seus quase noventa anos.

Lembro-me do seu andar, ligeiro e rápido, cabeça levantada e o corpo deitado para trás, um pouco em arco, como se não tivesse medo de nada e tudo tivesse solução. E tinha. Resolveu, com a destreza certa, todos os nós e laços que a vida lhe deu, uns muito apertados e seguros, outros mais deslaçados, a precisarem de mãos competentes e seguras. Mãe de quatro filhos, avó de oito netos, bisa de cinco bisnetos, amava a sua família e era uma espécie de matriarca, a falar alto e a compor os dias, para cá e para lá, numa labuta constante.

http://chavena.com/sites/default/files/artigos/chavena-com-cafe.jpgCostumava vê-la durante o verão, uma visita que se impunha desde menina. A casa dela cheirava sempre a café e o convite era certo, vamos beber café com leite. Sabia pela vida. E pela vida sabia também, o olhar que me oferecia, cheio de cumplicidade de quem conhecia e conhecendo-me, sabia ser apoiante e discreta.

Cunhada da minha mãe, foi sua ouvinte e conselheira, num tempo em que a vida parecia estar contra a maré. Mulher da terra da ria e dos barcos, pegava nas palavras e compunha remos e outros utensílios para ajudar na faina da vida. Agradeço a amizade e companhia que sempre lhe deu, nas quintas-feiras da praça, onde ir à sua casa era paragem obrigatória.

E agradeço o café com leite e a recordação desse cheiro e desse sabor. Nunca mais bebi outro igual, a não ser em casa da sua filha mais velha, a minha prima Dulce. Uma espécie de legado familiar e uma espécie de ritual de afeto, que me aconchega o corpo e o coração. Ainda hoje.

Neste dia da mulher, agradeço-lhe ter feito parte da minha vida e da minha família. Agradeço-lhe o riso, a alegria e o sentimento que dela guardei desde menina: as mulheres são fortes e são capazes de resolver quase tudo. Apesar de já ser adulta, persisto nesta ideia que alimenta os dias e as horas do meu tempo.
Obrigada tia Maria. E em sua memória, obrigada a todas as mulheres que fazem a vida andar em sentido ascendente. Com risos, palavras, afetos. Sem arrepiar caminho.


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