Precisava que estivesses agora aqui, é abril e em abril, nunca te disse, mas os sonhos são mais prementes e também mais voláteis, escapam-se num ápice pelos gestos mais distraídos, estamos à janela do tempo, a olhar para as flores, a espiar a chegada da primavera e lá vão eles sorrateiros, para outro poiso fazer o mel, parecem abelhas inquietas...
- Falas de quê, tu?
- Dos sonhos mãe, e por isso dizia que precisava que estivesses aqui...
- Para me falares de sonhos?
- Sim. Não, deixa. Queria só que viesses, a andar lentamente, e depois tomávamos café com leite, na cozinha, enquanto faziamos o jantar. Tu arranjavas os grelos e eu descascava as batatas...e falávamos de coisas simples, talvez da chuva que cai há tantos dias, sem ponta de sol a sério...
- E a casa, na terra, há-de estar tão húmida! Tenho que telefonar, para que a vão arejar...
E depois a água da panela fervia e punhas lá o bacalhau e provavas de sal, para ficar saboroso, à tua moda. E era à tua moda e contigo que hoje queria estar, a escorregar pelo dia que se aproxima da noite, sem estrelas e luar...
- Está escuro como breu, nunca mais os dias ficam compridos. Quando chegam os rapazes?
Ias espreitar a rua e o seu regresso a casa e porias a mesa, desalinhando os talheres, como sempre fazias. Uma marca tua, criativa, que nos fazia rir. A ti também. Depois jantávamos e ias depressa ver um debate televisivo, sentada no teu sofá. E atenta, farias os teus comentários habituais, que inundariam de interrogações a sala morna com a nossa presença.
Era assim que eu precisava que fosse o início de abril, tu connosco, para espantar este inverno que vem de longe e não me dá folgas. Nem folgas nem alentos, deixando os sonhos em suspenso, como bolas de sabão que ao minimo movimento, rebentam. Os sonhos são coisas muito frágeis, mãe. Mas acho que não te diria nada sobre isto. A tua presença a cirandar pela casa bastaria para aquietar o tempo.
- És sempre a mesma, preocupada com tudo. Eu acho é que estudaste muito. E lês muito e escreves muito. E pensas muito. Se calhar teria sido melhor teres ido para costureira...
Se calhar mãe. E se calhar abril seria mais fácil e a vida também. E se calhar não teria tantas noites como esta em que precisava que estivesses aqui. Para aguentar o dia que amanhã vai chegar.
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