Lembro-me muito bem do 25 de abril, estava em Almada. Tinha 17 anos e andava na escola Emídio Navarro. Acordei com o rádio a tocar e a minha mãe a dizer que tinha havido um golpe de estado, ou uma coisa assim, dizia ela e que não podía ir à escola. Estava com medo e preocupada. Apesar de me ter dito para não sair de casa, aproveitei uma distração sua e escapei-me, com o coração a bater de alegria, um pouco estonteada. Queria ver e ouvir, presenciar e ter a certeza de que estávamos livres. Fui ter com a minha maior amiga e decidimos ir para Lisboa, era lá que tudo se estava a passar, não podíamos perder pitada de nada.
Em Cacilhas, de manhã parecia a tarde em hora de ponta, os barcos traziam muitas pessoas que regressavam a casa, por precaução. Ao tentar entrar no barco, disfarçadamente, demos de caras com um amigo do meu irmão que com autoridade e sem hesitar, nos impediu a ida e a aventura que planeávamos. Furiosas, mas sem poder fugir, obedecemos e jurámos voltar para casa. Iniciámos até o regresso, mas quando pudemos, virámos em direção ao jardim do castelo, para ver o rio e olhar Lisboa, do lado de cá. Mantínhamos a ideia de estar no meio das coisas, queríamos saber o que estava a acontecer e testemunhar tudo de perto. Era de certeza uma situação muito importante, sabíamos, apesar de muito jovens.
- O que é isso meninas? mas já ninguém tem ordem nisto? é isto que vai acontecer...
Fugimos a rir às gargalhadas e não me lembro de muito mais, a não ser que passei o resto do dia colada à rádio, contente e emocionada, a lembrar-me de situações que me tinham acontecido e que me confirmavam a certeza de estar a viver um dia único: os papéis que apanhava nos dias 1º de maio e que o meu professor de português dizia para guardar, porque eram perigosos; os livros que lia, na casa do meu irmão - a viver em conjunto com amigos - que eram sobre poesia, politica, os campos de concentração na Alemanha; umas figuras de preto que chegaram um dia a uma coletividade onde fazia trabalho voluntário com crianças e que não permitiram que houvesse uma reunião de pais; o meu irmão a contar que tinha andado a fugir à frente da policia, no Instituto e outras coisas que sabia e sentia, porque como nos diz o poema, vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. Apesar dos meus 17 anos, ouvia em casa do meu irmão Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira e trauteava as suas canções.
Nesse dia também cantei a Grandola e sempre que a ouço cantada pelo Zeca, emociono-me. E lembro-me do 1º de maio de 1974. Estive lá e nunca mais vi tanta gente junta a festejar a liberdade, a libertação dos presos políticos e a possibilidade de sermos livres. Nunca vi tantos abraços, tanto riso e tanto alivio. Uma longa noite tinha acabado e os dias de sol aí estavam, desafiando-nos a construir a vida, plena, cheia de futuro e liberdade. Até hoje, acho que é o nosso bem maior. Que como cantou o Sérgio Godinho ontem à noite, tem que ter, bem junto a ela, a paz, o pão, habitação, saúde, educação. Para todos.
Hoje, o 25 de abril faz 39 anos.
E já recebi o ramo de cravos, que o meu irmão me dá todos os anos. Um ritual por ele estabelecido e pelo qual sempre espero. Damos um abraço e dizemos "viva o 25 de Abril!". E só assim a comemoração fica cumprida. Com cravos e afeto(s).
É preciso retomar o caminho de Abril.Isto porque “a soberania reside no povo e o povo português não permitirá a continuação do retrocesso e lutará por uma alternativa política e uma política alternativa, tendo como base os valores de Abril”.
ResponderEliminar"Se Abril estiver distante desta terra e deste povo a nossa força é bastante para fazer um Abril novo."
25 de Abril sempre..