Fui lá casa e deliciei-me. O quarto já preparado, cores suaves e vivas, bonecos, riscas e flores, numa conjugação esteticamente bonita para os olhos e a emoção, porque é disto que se trata. As minhas amigas, avó e futura mãe, alindaram aquele espaço e dele fizeram um aconchego e um castelo, digno de um pequeno príncipe. É isso que o Tomás vai ser, quando nascer, um príncipe na vida da sua família.
Encantada, mexi em tudo, nas roupas que o esperam, arrumadas e a cheirar bem, nos brinquedos e livros que as mãos irão tocar, na mala já pronta para o dia da sua chegada. Depois sentámos-nos a ver o livro da sua história, que a mãe tem composto ao longo dos meses, com mil cuidados, as fotografias da pintura da barriga, uma bola de futebol, uma paisagem em tons de azul, com flores, o molde da barriga de gesso. Ali ficámos, no sofá, com o Tomás por perto, a dar uns quantos pontapés, para dizer que está feliz. Vim para casa com o coração contente, quase tão ansiosa como quem o tem na barriga e o meu filho mais novo a dizer-me "Também vais ser avó!" E vou, um neto do coração e da amizade.
Voltei a pensar na sorte. Na condição de partida, no património e herança que é dada à nascença a cada menino e menina que se torna pessoa. E de como esse legado é companhia para toda a vida. E de como isso pode entristecer os olhos e o coração dos meninos e meninas quando se tornam adultos. E de como isso deveria ser um principio para não se negar a hipótese de se voltar a nascer numa família adotiva. Qualquer que seja a sua natureza e constituição. Apenas com uma premissa, a sua capacidade para acolher, decorar quartos com amor, saber abraçar e proteger, saber educar e querer fazê-lo como projeto de vida. Apenas a sua paixão para ter um filho de coração. Para contrariar a má sorte do destino e oferecer uma segunda oportunidade. De direito ao amor e a um bom começo. Com calor e quente.
Para poder esbater e dar a volta ao frio de ter nascido sem roupa e sem sonho.
Quem teve frio na infância, terá frio para o resto da vida, porque o frio da infância nunca desaparece - Juan José Millás
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