domingo, 24 de novembro de 2013

Partilha pedagógica, ao domingo

Domingo. Já cheira a natal, embora eu ainda não sinta.
O sol veio de visita, morno e amigo, nesta manha fria. Ainda bem. Ajuda a espantar o nevoeiro das ideias e a escuridão dos medos. Inunda tudo de claridade, o que é uma bem para o corpo e a alma. Apesar disso, não liberta as palavras que trago encolhidas no coração.  Estão compactadas, sinto, e não há espaço para as distender. Aguardemos que o tempo ajude a construir uma composição mais percetivel e transparente: as palavras bem alinhadas, umas a seguir às outras, com os múltiplos sentidos a descoberto.

Enquanto isto, persigo ideias e sons, junto sentimentos e emoções e olho-me ao espelho dos dias. Penso nas crianças da sala. Vejo-lhes os risos e a zangas, permaneço um pouco naqueles que ainda procuram um lugar no grupo. Zangam-se e protestam, numa ladainha decorada pela presença de sofrimento. Sei que é isso, quem bate quer abraços, ainda que também segurança e apoio. Quem se zanga com muita regularidade, grita por adultos que os ajudem a serenar. Se não, ficam invadidos pelo medo dos seus impulsos, que não conseguem gerir. Lá na sala, ainda existem muitos meninos e meninas assim. 

Personalised Colour In Advent PosterE existem outros, que já se libertaram das amarras das suas dores e que iniciam um tempo e um processo de lugar no grupo, na rotina e nos projetos. Aprenderam o sentido de estar em conjunto, decidir, investir e avaliar. Não são muitos, mas estão lá, realizam os nossos desejos mais profundos de uma pedagogia estruturada e democrática. Confirmam a nossa necessidade profunda de sucesso como profissionais. Apesar de não o confessarmos, devolvem-nos uma imagem de competência. Mas são muitas vezes os menos apoiados, porque os deixamos entregues à sua autonomia, na impossibilidade de responder a todos. Descubro, muitas vezes, os seus olhos a pedirem colo. E corro para o dar, mas está sempre muito ocupado e cheio das histórias e dos corpos dos meninos e meninas mais inquietos. E sinto a minha limitação como pessoa e educadora. Não chego para tanta vida e tantos desafios. 

Nesta(s) dualidade(s) diária vou fazendo o melhor que sei, sentindo que não me chega a experiência, o saber e a emoção que me caracteriza. Nem as estratégias que procuro, regularmente. Mas não há como desistir. nem como não alimentar a vontade de continuar, com verdade, a tentar  dar o melhor de mim. A isso estou eticamente obrigada, porque a educação é um compromisso ético. 

Aconchego-me então em alguns ditos de quem pensou a educação das crianças no mundo

"  A criança precisa de ser frustrada para sentir que não pode possuir tudo e para poder pensar em vez de fazer; de ser contrariada para sentir que há outros interesses para além do seus; de sentir agressividade e também de a manifestar; de ter pais e educadores reais e não seres convencionais, frios, dogmáticos, daqueles que fazem educação pelo manual. Precisa de desobedecer para aprender o que é a desobediência; precisa de fazer experiências dolorosas para aprender a conhecer e compreender a dor; a criança precisa de ser educada com verdade”  (João dos Santos, 1991) 

8 comentários:

  1. Mais uma vez a Manuela coloca em texto aquilo que muitos educadores, como eu, vivem e sentem nas suas vidas e reflexões do dia a dia.
    E isso ajuda-nos a sentir que não estamos sós, há mais como nós!

    Beijinhos e uma boa semana, que sejam semanas cada vez mais cheias de meninos "que já se libertaram das amarras das suas dores e que iniciam um tempo e um processo de lugar no grupo, na rotina e nos projetos"... porque isso, realmente, nos "devolve uma imagem de competência" e nos ajuda, nos impele a continuar, apesar de tudo o resto.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada pelo apoio e concordância. É que me sinto muitas vezes "estrangeira" na forma como faço o trabalho com as crianças...e em certos meios, não somos entendidas!

      Bjs e uma boa semana também

      Eliminar
    2. Obrigada . Ao ler os teus textos tão verdadeiros e sinceros, tão genuínos e profundos, recordo tempos passados e sinto-me acompanhada.
      Beijos e boa semana

      Eliminar
  2. É muito agradável ler o que escreve. É mesmo assim, sem reticências. Reflexo de muita lucidez e de uma visão do tamanho do mundo. Um abraço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada. Gostava muito de ter essa lucidez que fala, mas às vezes duvido!

      Boa semana

      Eliminar
  3. Mais um excelente texto texto...Boa semana...aproveita o sol com os teus meninos... Obrigada pela partilha.

    ResponderEliminar
  4. Revejo-me também nessas palavras, tão sabiamente escritas...

    ResponderEliminar
  5. É tão bom ler o que escreve! E não se sinta estrangeira. Há aqui algumas de nós a falar a mesma linguagem, e isso faz-nos estar mais perto umas das outras, mesmo estando longe.
    Boa semana

    ResponderEliminar