sábado, 16 de novembro de 2013

Os teus olhos

Sábado. Dia de escrita.
Mas este é um sábado especial, faz seis anos que foste embora. Não consigo pegar nas palavras de qualquer maneira, nem elas deslizam livres como as folhas secas de mais um outono, melancólico e bonito 
Hoje, as palavras estão pesadas e atrapalham-se com o bater do coração, levemente descompassado. Quando partiste, alteraste o ritmo de muitas coisas. Muitas delas mudaram de sitio e significado e ficaram confusamente dispersas. Apenas o passar do tempo as recompôs, ainda que sem a mesma harmonia e afeto. As mães têm esse condão, colocam quase tudo no sitio certo, para que possamos ser gente no meio do mundo. Quando partem, olhamos para trás e já não há ninguém. Desamparados, ficamos sem encosto e com frio nas costas. Em muitos dias, não há cobertor ou manta de lã que nos valha. E gelamos. 

Assim estou. Mulher feita, ainda à procura dos muitos sentidos da vida, com saudade dos teus olhos. Acordei a lembrar-me deles, grandes e castanhos, menineiros e sorridentes. Curiosos e quentes. Às vezes ficavam tristes e deitavam muitas lágrimas, fui testemunha disso. Julgo que nem sempre os entendi como tu necessitavas e nem sempre o meu regaço e as minhas palavras foram um porto seguro de acolhimento. Quando somos jovens, encetamos com facilidade a fuga para a frente como se não houvesse mais amanhã para cumprir os nossos desígnios. Temos pressa e não temos tempo. Centrados em nós, descuidamos os outros. Desculpa por isso.  Mas aconchega-me saber que em muitos dias, a minha força e atenção contagiaram a tua confiança e as tuas decisões. 

Hoje, queria-te por cá, para ver os teus olhos e sossegar. Já teríamos ido tomar o café, comprado o jornal e tu contente ao meu lado, a falar de coisas comuns e importantes. E faríamos a seguir o almoço. Acho que podia ser arroz de tomate com jaquinzinhos fritos, coisa que nunca mais fiz e não apenas porque os fritos fazem mal. Há coisas que não se repetem quando as ausências doem. 

Hoje, sinto-me mais órfã e sozinha, apesar da casa estar com aqueles que amavas. Mas não chegam para ocupar o teu lugar vazio. Se te sentasses no teu sofá da sala, eu ficaria em frente a olhar para a televisão e não precisava de ir buscar a manta de lã e o saco de água quente. Estou cheia de frio, mãe e faltam-me os teus olhos. Para me dizerem, apenas com o olhar, que tudo está no sitio certo. E que não há porque ter medo do futuro. 

Tenho muitas dúvidas mãe e ninguém me sabe dar as respostas que o teu amor e os teus olhos me dariam. Sem grandes explicações, apenas pela tua presença. Apenas porque sim.
  

5 comentários:

  1. Manela as MÃES são assim lindas, queridas, cultas, amorosas e grandes sabias a todas as MÃES que estão numa estrela um bem HAJAM!!!!!! Beijinhos

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    1. Pois são, as mães são lindas...obrigada por me ter lido e pelo comentário

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  2. Lindo.
    Desejo que possa encontrar, algures, um "aconchego quente" parecido com o dos olhos e do colo da mãe.

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  3. Sem palavras ..!!!
    Quem não precisa de um colo ?? Tantas vezes o preciso da pessoa que todos dias me lembro, a cor dos seus olhos ,o seu cheiro o toque dos seus cabelos " Meu Pai"
    Obrigado pelo texto maravilhoso...

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