Já falei tantas vezes do mar. E vou continuar a falar. E nunca me cansarei. Porque o mar me pacifica e liberta o que em mim é emoção, segredo e liberdade.
O mar da minha infância. As mulheres vestidas de escuro, a levantar as saias para molhar os pés, os risos pelas ondas ousadas, a merenda nos sacos, pão e queijo, ir de manha e voltar à noite, o peixe a saltar das redes, fresco e vivo. As crianças por perto, bibes com laços e olhos de ver o mundo.
O mar da minha juventude. Dunas com areia macia, alisada por ventos do norte em dias de nevoeiro, temperaturas frescas a impor abraços, palavras sussurradas para a eternidade, assim julgadas, por tanto se querer. Corridas de mãos dadas, com chuva miúda, o barulho das ondas a serenar o medo e a embalar o amor.
O mar da minha adultidade, os rapazes na água em gritos alegres, brinquedos e gomas ao cair da noite, passeios ao luar e areia nos lençóis, saídas à noite com primeiros amores. Banhos, conversas, almoços e jantares, com amigos e filhos por dentro.O mar para nós, a banhar os afetos de ser família e amizade.
E hoje, o mar. O mar do meu por do sol, dos sessenta anos, que às vezes não queremos, mas por aqui moram, expressos no corpo mas não no coração, que bate ainda desalmado, por cada voo de gaivota ao amanhecer. O mar dos sonhos inquietos, que serenam ao som manso da água nas pedras. O mar da secreta alegria, encantos escondidos e nunca revelados, por pudor e integridade.
O mar. Cartão de visita da nossa vida, em lenta passagem para lugar incerto. O mar a molhar o corpo e a libertar a alma para novas marés.
Os instantes que não vivi junto do mar
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
(Sophia de Mello Breyner)
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